Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

24
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

sentia-me perdido dentro da cidade dos cães

ouvíamos os sofridos mendigos de prata

tactearem as paredes dos abandonados barcos de papel

sentia-me esquecido no teu corpo de porcelana

envidraçado e comido como os ossos do esqueleto negro

depois de partir o luar

sentia-me nos latidos embebidos nas palavras que jaziam no cobertor da lareira

e sobre a mesa

a tua fotografia parecendo uma montanha

um penedo monstruoso vagueando sobre as pedras ao aço envergonhado

de que se fazem estátuas

e homens com corpo musculado

 

(e sussurras-me à ardósia tarde que sou uma tábua que sobejou do caixão das merendas quando o cais abraçava comestíveis corações em molho de solidão

sentia-me parvamente só

como se devem sentir os restantes barcos da família dos pássaros

releio e leio e sinto

dentro de mim

“O Cais das Merendas”

e sentia-me embriagado com os cheiros das letras em flor)

[“O Cais das Merendas” de Lídia Jorge]

 

sentia-me perdido dentro dos contentores amovíveis dos sonhos nocturnos

tínhamos acabado de descobri os beijos e o perfume dos Plátanos do jardim

(em Alijó também há Plátanos)

bancos em madeira vagueavam na Baía e de longe regressavam as perdizes cinzentas

das imagens a preto-e-branco que o esqueleto negro trazia na lapela

sentia-me só na cidade dos cães

e percebia os vómitos angustiantes das canções que saltitavam num bar da rua das andorinhas

havia meninas

e livros disfarçados de meninas

e meninas comendo livros e livros

como as tuas palavras...

zangadas com o presente

procurando o inferno passado dos caixotes sonolentos

 

[não sei quem sou e como sou e tudo começou quando eu me sentia perdido na cidade dos cães]

 

 

(não revisto)

Domingo, 24 de Novembro de 2013

Francisco Luís Fontinha – Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:51

foto de: A&M ART and Photos

 

voas como sábios preguiçosos

dormes como dormem as estrelas da paixão

voas sobre as lápides de chocolate

como palavras perdidas no jardim dos bosques sem luar...

sei que que me ouves depois de todas as janelas se esconderem nos alicerces do amor

sei que de mim nada pertence aos arbustos de Belém

voas como sandálias nas praias de Luanda

pedíamos um beijo

e ofereciam-nos mangas com paisagens imaginárias

invisíveis

tristes às vezes

como o eram as tuas mãos que poisavam no meu rosto

 

voas em mim sem o saberes

que eu te pertenço

que eu... te amo

voas sobre as fotografias tuas

em pedaços de papel pregados nas frestas da dor

(voas como sábios preguiçosos

dormes como dormem as estrelas da paixão

voas sobre as lápides de chocolate)

 

voas como suspiros envenenados pelos orgasmos do pólen em decomposição

voas como um cadáver suspenso no cordel de um papagaio de papel

voas como voava a criança que brincava debaixo das bananeiras...

rodopiavam as rodas do velho triciclo no cimento nocturno dos mabecos em flor

e sorrias

e sentias

o vento das asas que hoje habitam em ti

voas

voas como um sobrevivente sábio preguiçoso

que tem medo das ruas com vidros de prata

que... tem medo da vida

a vida em telhado chapa...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 24 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:53

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:54

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