Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

30
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Ofereceu a bala inseminada com as impressões digitais do poema em construção, poisou os cotovelos sobre a iluminada folha de papel com meia dúzia de palavras, leu e releu e puxou o gatilho da caneta de tinta permanente sobre a secretária em pinho, voaram sobre a biblioteca todas as gaivotas de porcelana que permaneciam entre os livros e outras bugigangas, aos poucos, como silêncios de um pêndulo cansado, foram cessando as agonias do homem poeta da caneta de prata, uma bala silenciada adormecia-se como flores numa jarra, dentro dele apenas se ouviam as esquina de luz do espelho prateado,

A saudade submergiu do corpo caído sobre a secretária, ouvias as minhas preces como quem escreve um livro infinito, uma estória que só termina quando duas rectas tristes e sós se encontram

No infinito,

Dizem-me, eles,

A saudade é filha da balda da caneta de prata, as palavras morreram como morreram os teus sorrisos e como morreram as tuas caricias e como morreram as tuas mãos sobre o meu peito em feitiço... e como morreram

Quem quem morreu?

Como morreram os fantasmas dos roseirais de Luanda, e há uma filme escondido nas paredes de um casebre, na parede traseira uma placa com a inscrição de “FIM” aparece

Desaparece

E morreram os teus lábios nos meus lábios quando entrelaçados nos meus cabelos as lições de piano, o som melódico das teclas borbulham nos alicerces da madrugada, ofereceu a bala e suicidou-se com a caneta de prata

Sentia o cheiro intenso da tinta derramada nas alvenarias como desenhos abstractos que os teus olhos inventaram nas prateleiras velhas, nas prateleiras caducas, morreram os teu seios nos meus lábios, morreram as tuas cintilantes pálpebras nos cadeados de estanho, e ouvia-te das lágrimas os aplausos nas cantigas dos rabugentos e enferrujados barcos,

O aço é um corpo só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim

Quem quem morreu?

A bala, procuravam em mim a caneta de prata o suicídio fictício das palavras,

Quem quem morreu?

A bala, procuravam em mim as sombras desnorteadas das tardes de Segunda-feira, e eu, eu sabia-o, admitia-o... que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu silêncio, um dia, tu, eu, que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu sofrimento de lírio apaixonado, deitado sobre a secretária da

Saudade?

Que morreram as tuas peugadas absorvidas pelo meu pesadíssimo corpo em aço, só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim

Quem quem morreu?

A saudade,

(só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim)

Quem quem morreu?

Quem quem morreu?

O amor das pedras cinzentas...

FIM.

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 30 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:41

foto de: A&M ART and Photos

 

salivas-me as serpentes de fogo do relógio nocturno da escuridão

havíamos construído o pêndulo do desejo

que ficou no centro do vulcão teu beijo

às derramadas sílabas que a paixão enfurece

emagrece a montanha branca das ribeiras desertas

abraças-me em longos ramos de cetim

que escondem as janelas do quadriculado caderno das madrugadas embainhadas nos pulmões das aranhas de silício castanho

salivas-me as velhas cinzas dos cigarros embalsamados

e sinto-lhes o cheiro dos esqueletos de palha quando mergulham no rio dos Luares apaixonados

uma gaivota poisa nos teus seios de cartão

e sinto-te prisioneira das amarras vagabundas nas ruelas envergonhadas

salivas-me e deixo de ouvir os teus brincos telintarem nas lâminas dos veados negros

uivam os lobos do teu orgasmo

entre geadas e plumas num bar desgovernado quando me salivas as palavras prometidas então...

a púmice enrola-se nos sabres de luz teu corpo de orvalho

a alvorada estrelar das amêndoas com chocolate derretem-se nos teus lábios que me salivam as vozes íngremes desvairadas que o Inverno inventa nas lareiras do orgulho

tenho medo de ti

como sempre o tive quando vinham na minha direcção os eléctricos e as marés de sémen dos homens apátridas que a tempestade recriou no cenário da vaidade

sinto-lhes o cheiro a vodka quando atracam nos meus ombros sombreados

e pareço um transeunte mendigo de fotografia na lapela

um doente mental diplomado

descendo e subindo

escadas corpos medos

e salivas-me como se eu fosse uma rosa encarnada a envelhecer numa jarra falseada...

 

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 30 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:29

foto de: A&M ART and Photos

 

a alegria doirada das gaiolas de silício

permaneço intacto dentro deste amargo cubículo

invento amores como a tempestade desenha ventos nas paredes do silêncio

e espera-me o sacrifício da solidão

entre quatro velhas paredes caquécticas

reumáticas

envelhecidas meninas

como serpentes diabólicas nas algibeiras da madrugada

sou teu cumplicie

sou teu... amante desembargado dos tristes alicerces nocturnos em meandros pronomes...

sou um texto sem alma sem coração sem palavras lindas como teus lábios malignos dos solstícios envergonhados

 

sou uma palavra não escrita

sou um buraco negro esquecido no frio Universo

um buraco de minhoca

um homem sem versos

 

sou uma paixão envergonhada

alvorada como a alegria doirada das gaiolas de silício

um cordel voando sobre os telhados do desejo

um papagaio entranhado nos teus seios...

a alegria perde-se nas profundezas ranhuras do púbis em delírio...

sou uma paixão

um livro sem palavras

um homem sem versos

reumáticas

envelhecidas meninas

como serpentes diabólicas nas algibeiras da madrugada

sou teu cumplicie

 

não sou nada.

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 30 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:07

29
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

deixarei de pertencer aos teus olhos

e vagamente... deixarei nas tuas nuvens de algodão o cigarro fantasma

deixarei de adormecer nos teus cabelos como o fazia antes das madrugadas serpenteadas

nas oito esquinas do medo

ouvirei perfeitamente as tuas mágoas...

terei o leve cuidado de acariciar os teus lábios

e

deixarei de voar nas tuas lágrimas de maré embriagada

e vagamente transformar-me-ei na cinza do teu imaginário cinzeiro

haverá uma janela engomada

com cortinados de fumo

e haverá... uma língua endiabrada pernoitando no meu angustiado peito

 

servirei de teu mordomo devidamente fardado

andarei pelos corredores da tua imaginação levitando sem tocar nos objectos de adorno

sentirás dentro de ti o meu vagabundo corpo

e nada conseguirás fazer para cessarem os teus sinceros gemidos

baterá o vento levemente nas ardósias dos tentáculos pinheiros de Carvalhais

ouviremos o sino engasgado nas sílabas das searas de milho

deitar-te-ás dentro do espigueiro...

e o teu ventre correrá em círculos na eira granítica do desassossego

amar-te-ei?

mesmo sabendo tu que sou um espantalho de aldeia

onde poisam os pássaros

e cagam os pássaros... sobre mim

 

sobre nós

deixarei os livros cansados das minhas mãos

dos meus olhos

às palavras... às palavras vou derramar-lhes o fogo do silêncio

embrulhado em pergaminhos sonos

e verei transversalmente o meu esqueleto no patamar da morte

ouvirei os teus casmurros beijos

como sentirei em mim os teus deleitados dedos

sujos

imundos...

transbordando sémen como caravelas esquecidas no Oceano dos vidros solitários...

e acabarei por pertencer aos ramos caducos do Outono

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 29 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:05

29
Nov 13

Aquele beijo que ficou esquecido sobre a mesa-de-cabeceira, aquele sorriso impregnado na vidraça estilhaçada da janela com fotografia para o quelho, aquele abraço perdido dentro dos cobertores da inocência, aquele beijo, aqueles teus lábios em pétalas que o desejo sobejou das tardes perdidas, aqueles livros poeirentos abandonados na estante do corredor, aquele teu alicerçado seio sobre a minha solidão, claro... imortal na cama em tardes de neblina, imortal no jardim dos clandestinos Domingos...

Sábados à tarde,

Sexta-feira à noite,

Aquele beijo, aquela melodia adormecida sobre os abajures da melancolia, aquele dia com palavras de luar, aquela madrugada com talheres em prata, e corpos, corpos de nata...

E ouvíamos o beijo esquecido das gaivotas em cio, e ouvíamos os tristes carris da liberdade mergulharem nas montanhas de papel como lagartas e outros bichos, coitados

Procurando,

Coitados...

Caminhando..., o beijo esquecido das gaivotas em cio, procurando as cinzas do casebre abandonado depois de partirem todas as árvores do destino que acompanhavam as alegres palavras comedidas pelas mãos de giz... aquele divã onde te deitavas, e eu, eu sobre ti entranhava-me nos teus gemidos invisíveis dos xistos borboletas em voos de andorinha, coitados...

De nós...

Deles...

O beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro... imortal no jardim dos clandestinos

Domingos...

Sábados à tarde,

Sexta-feira à noite,



(….........)

@Francisco Luís Fontinha - Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:14

foto de: A&M ART and Photos

 

serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro

aquele que deambula pela cidade

de pêndulo suspenso na alvorada

dá-lhe corda

fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...

há um leve apito de um novo marinheiro

o cachimbo geosmina como serpentinas voando sobre os candeeiros da saudade

o velho relojoeiro engata uma nova carvoeira

decidem os dois romperem os lençóis do desejo quando os segundos ficam suspensos nas ardósias tardes de literatura

há uma cama estonteante com tonturas e pequenos enjoos...

coisa de loucos

 

drogas dizem logo os transeuntes da rua dos abismos...

cansaço... sussurra o Psiquiatra Manel...

 

o homem do homem esconde-se nas ventosas térreas das searas negras

o velho relojoeiro dá a sua mão milagrosa à menina acabada de engatar

ouvem-se as sílabas castanhas borbulhando sobre uma prata de alumínio

chovem as lágrimas da menina engatada

se é a carvoeira ou a mendiga empregada da livraria... eu não o sei...

o homem chove

desculpem... os homens não chovem

choram

não choram

se fodem ou não fodem...

o silêncio sabe-o como sabe o cinzento eléctrico das noites que ejaculam migalhas de pão

sobre uma mesa... uma mesa sem vaidade

 

uma mesa sem...

sentido

pratos

húmidas abstractas colectâneas

toalhas bordadas...

comida pouca

serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro

aquele que deambula pela cidade?

 

uma mesa vestida de eléctrico palmilhando medos

voando sobre a cidade das searas negras

parte de Cais do Sodré e adormece sobre a lápide encarnada do cemitério da Ajuda

não...

não AJUDA nada

pertenceres aos mosquitos de prata que brincam nos relógios de cacimbo

procurando a menina engatada pelo velho relojoeiro

carvoeiro... ejaculam

toalhas bordadas...

comida pouca

serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro

aquele que deambula pela cidade?

 

- que horas tens meu querido?

 

uma mesa sem...

sentido

pratos

húmidas abstractas colectâneas

toalhas bordadas...

 

… fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 28 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:01

foto de: A&M ART and Photos

 

Conheço-te como antes pertencias aos endereços indefinidos dos mórbidos edifícios de fachada apodrecida, tinhas velas na cabeça, panos distintos bordados por donzelas meninas de dedal encarnado, vivíamos escondidos nas palavras empobrecidas dos cansaços dias, éramos felizes, e tínhamos dentro de nós as roldanas sobejantes das angustiantes vertigens dos serões de prata, vestias-te de bronzeado loiro como palavras embebidas no cinzento alvor dos antigos combatentes que as ruas desordenadas vomitavam antes de acordar a madrugada,

Sinto-te triste, infeliz,

Distantes

Ancorado aos infinitos orgasmos das planícies de areia,

(maldito cancro que te come como um vampiro ensanguentado nas sílabas tristes dos homens que choram depois do rio se esconder nos arbustos das alegres soalheiras horas de sol, havia em nós palavras impropriáveis, palavras proibidas, palavras inconfessáveis... palavras da merda que tu e eu... fazemos de conta não existirem...)

Sinto-te triste, infeliz,

Distantes

Como?

Alimentos, algerozes empobrecidos caindo dos telhados de zimbro que tu engoles antes de saíres de casa, havia neblina nos teus olhos, havia cacimbo nos teus ossos... havia

Distantes?

Os desenhos meus na tua face oculta, amargurada, como?

Percebendo que as estrelas são pedaços de papel...

Desistires?

Percebendo que o Sol é uma lanterna mágica, um cinzento vidro com olhos verdes, e cabelo castanho, vestias calões e sandálias em couro maciço, habitavas em mim como habitavam em ti os mabecos desgostosos das sanzalas de cetim que a madrugada construía...

Desgostosos?

Os desenhos meus na tua face oculta, amargurada, como?

Percebendo que as estrelas são pedaços de papel...

Que sofres e adormentas as tuas mágoas nos cacifos metálicos do recreio da escola, partia os vidros com vista para azeitona verdejantes do silêncio dos peixes, tínhamos duas vagueantes ruas com algibeira de alicerce prateado, contávamos as poucas moedas da manhã sem pudor...

E o teu corpo

E o meu corpo

Tinham manchas de bolor como as paredes do duzentos e dezasseis... como fendas e brechas, frestas... coloridas mãos que se masturbavam nos teus seios... maldito cancro que te come como um vampiro ensanguentado nas sílabas tristes dos homens que choram depois do rio se esconder nos arbustos das alegres soalheiras horas de sol, havia em nós palavras impropriáveis, palavras proibidas, palavras inconfessáveis... palavras da merda que tu e eu... fazemos de conta não existirem...

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 28 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:35

27
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

permaneces intacta como uma imagem sedentária na mão do homem com o chapéu negro

finges sorrisos camuflados nos orgasmos flutuantes do fumo em suspense

o cigarro dilacera-se e adormece na mão do homem com o chapéu negro

e imaginas-te

em liberdade sobre a cidade em chamas que o desejo desenha no teu corpo em porcelana marginal...

sentes-te uma pomba abandonada?

uma gaivota traída por um petroleiro de fino estanho suspenso na tua varanda imaginária?

ou... serás a serpente do medo que brinca dentro do quarto onde se esconde o homem com o chapéu negro e suicida-se na corda do fumo invisível que atravessa o cortinado do sexo pelo sexo...

uma janela insemina-se e dizes-me que nas árvores do quintal do nosso antigo vizinho

lembras-te? aquele que construía sonhos com pedacinhos em papel...

habitam mangas embalsamadas.... e ouvem-se as lágrimas do esqueleto de cheiros quando regressa a chuva

 

(e daí

vêm a nós os sorrisos das cansadas madrugadas como engrenagens cinemáticas dentro de um álbum de capa dura...)

 

oiço os teu cigarros no ridículo silêncio da tempestade de cimento a que chamas de pavimento dos silêncios minguados quando mergulham em ti as sílabas dos tentáculos da dor

oiço as delícias do mar dentro da tua sandes...

sonoros corações de manteiga despendem-se do solidificado amor das tardes em amoreiras de vidro emagrecido e a paixão enaltece o significado da palavra... “despedido”

um dia serás como a morfina

curarás o meu sofrimento

e farás parte do meu cadáver de madeira enquanto a noite vaguear junto aos arrais embriagados...

suspiras

e finges... ais

e alimentas-te dos versos meus

meus... como pedras sobre a cidade fingida dos uis...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 27 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:54

26
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

(sou um prisioneiro covarde

sem vontade de fugir

sem vida para viver)

 

sou um pergaminho pássaro que arde na lareira dos sonhos

um prisioneiro covarde

sem vontade

navegando sobre os carris invisíveis da cidade

invento madrugadas

invento sandes de realidade

e algibeiras vazias

sem nada

sou um prisioneiro ambulante

uma roulote desgovernada

em direcção ao mar

em direcção... ao nada

 

sou uma ponte quebrada

uma puta abandonada

 

(sou uma tenda de circo

com palhaços

eu... eu disfarçado de gaja

servindo chocolates com amendoins...)

 

sou um prisioneiro pregado às janelas do inferno

viajo de árvore em árvore

de vão em vão

de cigarro

ao cigarro

sem cigarros

subo as escadas sem corrimão

chego ao sótão

estás tu mergulhada no espelho corneando o cinzeiro de prata

desço

desço às sanzalas de lata

e não consigo derreter as amarras

 

(sou um prisioneiro covarde

sem vontade de fugir

sem vida para viver)

 

sou o alimento dos alimentos

os pólens insaturados dos guindastes que dormem no porto de Luanda

embarco

desembarco

desço

e subo ao sótão dos corneados cinzeiros de prata

abro o postigo com fotografia para a ribeira da tristeza

nua

a beleza alegria correndo como sandálias de gelatinosas geadas de vidro...

e eu fingindo amores supérfluos num cadeado de madeira

e o macaco da vizinha a comer as minhas amêndoas

e eu... eu um prisioneiro covarde sem vontade de partir...

 

chorando subtilezas e pedaços de papel celofane...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 26 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:54

25
Nov 13

foto de: A&M ART and Photos

 

apetece-te recortar os sobejantes pedacinhos de tecidos que a vida nos deixou

insistes e desistes

hesitas

recomeças vagueando sobre a sala de jantar com a tesoura da solidão em riste

embrulha-la cuidadosamente nas sombras inquinadas dos desenhos sem tecto

e nas paredes vãs dos teus olhos de avelã...

simples teias de aranha esperando o sopro do teu sorriso

um pequeno movimento transatlântico descai e avança contra as âncoras do desejo

sinto-te mergulhar nas clandestinas veias dos cadáveres cerâmicos da desajeitada cozinha...

apetece-te recortar-me porque imaginas-me como um pedacinho de tecido

negro

com pálpebras de cereja

 

hesitas

insistes e desistes

recomeças vagueando nas estrelas cansaços dos divãs de xisto

desces socalcos

sobes penedos envenenados com os teus lábios de sabor adocicado...

voltas a descer e hesitas

insistes e desistes

acordas cedo quando ainda dormem todos os medos que a madrugada inventa

às vezes pareces um candeeiro à minha espera

no fundo das escadas

aproveitas o vão da insónia

para recordares os beijos molhados das húmidas noites de navegação interstelar...

 

vadio sinónimo de mim quando gritas o meu nome

apetece-te recortar-me como o fizeste aos sobejantes pedacinhos de tecidos que a vida nos deixou

hesitas

insistes e desistes

gritas

gritas

gemes como ravinas infestadas de ratazanas coloridas

um pelotão de fuzilamento vem direito a nós

tu... eu...

hesitamos

gritamos

fingimos que somos filhos do mar

 

… e morremos...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 25 de Novembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:41

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