Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

29
Dez 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Não tínhamos sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a noite, da torneira do lavatório, um objecto quase em putrefacção devido ao estado de abandono a que foi submetido durante os últimos anos de permanência do habitante caquéctico a que dizem ser meu tio, apenas um fino fio de ferrugem, abria-a, fechava-a, e na esperança que de pequeno fio se transformasse em grande novelo..., mas... nada, sempre pingos de ferrugem, e mais nada,

Vida desgraçada, dizem alguns de vocês,

Vida alegre e de felicidade, acho-o eu, porque feliz feliz é aquele que não sabe o que diz, como eu, e voltando ao sabão, em falta dele temos sempre a fé para nos redimirmos, e claro, começamos a rezar, rezamos tanto que quando terminamos... tinham passado quase trinta e cinco dias, sem comer, sem beber, sem beijos, sem abraços... apenas rezávamos e de vez em quando...

Vida desgraçada, dizem alguns de vocês,

Olhávamos a torre da velha Igreja e sentíamos o vento baloiçar nos corpos nossos caídos no soalho da solidão, dizias-me que

Amanhã tudo será melhor,

E hoje, que é o teu amanhã, não tudo melhor, mas... da torneira do lavatório apenas um pequeno fio de ferrugem e sabão, não sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a última noite, perguntei à ferrugem se sabia quando tínhamos água

Que

Não o sei, nada percebo disso e apenas respondo ao senhor seu tio, e eu respondia-lhe que

O senhor meu tio foi-se, esfumou-se... voou enquanto dormíamos... como dois lençóis embebidos em sémen e gemidos roucos dos cigarros acabados de fumar,

Que, ainda fumas?

Que

Não o sei, não o sei..., Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor... que

Não, deixei de fumar e pecar,

Não preciso de sabão, não preciso da água do lavatório nem dos lençóis embebidos em sémen e velhos gemidos, o senhor meu tio?

Foi-se,

Que..., que bicho mordeu ao seu namorado?

Saudades, apenas,

Ciumes?

Da

Da vida desgraçada, dizem alguns de vocês, ou...

Ou da noite em que tínhamos a certeza que nunca mais terminaria, perguntei à ferrugem, sentei-me na sanita e pasmei-me em perceber que dentro de nossa casa habitava uma comandita de trombudos deambulantes clandestinos pássaros que nos habituamos a apelidar de ferrugem e de ferrugem

O quê?

E de ferrugem nada tinham, sempre asseados, sempre penteados, sempre..., APRUMADOS,

Não tínhamos nada, parecíamos dois voyagers em busca dos caminhos perdidos, perguntava-lhe se ainda se recordava da tarde quando caiu sobre nós uma gaivota encharcada e com pequenos pedaços de

Ferrugem?

Lama, madeira da Índia e tílias falidas depois da tempestade lhes derrubar todo o telhado em zinco, a palhota a descoberto destruiu os poucos tarecos que sobraram do regresso a casa, e num caixote semelhante a uma pequena caixa de sapatos conseguíamos meter o que tínhamos de tão pouco o ser...

Algumas da cabras deixámos-las no pasto, lá ficaram, por lá ainda devem andar, quantos às vacas, essas, já devem ter morrido, passou tanto tempo meu querido filho

Tempo demais mãe, tempo é muito e às vezes é tão pouco,

A não ser que alguém nos empreste uma barra de sabão e um alguidar com água limpa, talvez a vizinha do quarto esquerdo

Essa não, essa não... tem a mania que é rica... todo cheia de coisas, não, essa não,

Então esperamos pelo regresso do barco que à quase quarenta e dois anos ficou de vir, e ainda não veio, e quem nos garante que ainda exista?

Ninguém, ninguém...

Tempo demais mãe, tempo é muito e às vezes é tão pouco, não tínhamos sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a noite, da torneira do lavatório, um objecto quase em putrefacção devido ao estado de abandono a que foi submetido durante os últimos anos de permanência do,

Do VELHO?

Do minguante espelho com lábios rosados e seios de neblina, hoje sabemos que tudo foi uma mentira, mas ontem

Amanhã tudo melhor, meu filho, tudo melhor...

E não melhor, e não melhor, porque a ferrugem nunca cessou de crescer em nós, porque o lavatório ainda hoje chora as lágrimas negras das noites frias de Inverno, porque

Do VELHO?

Porque o VELHO... o VELHO era em aço laminado... a quente, a quente.

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 29 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:18

foto de: A&M ART and Photos

 

um pequeno silêncio de espuma verde envolvia o teu corpo

a nuvem do desejo acordava lentamente nos teus olhos

havia um pequeno holofote a que chamavam de solidão...

e permanentemente em suspenso... começava a desaparecer do céu tua mão

o medo vestia-se com a roupa tua da noite anterior

trazias na algibeira pequenos sons melódicos e papeis poéticos

que decidimos lançar na fogueira da lareira da insónia

abrimos a janela da noite

e a noite recebeu-nos como se fossemos dois pássaros moribundos

cansados de voar

o teu corpo mergulhava no meu

e um líquido esponjoso ressaltava contra os vidros tristes da madrugada

queria ser como tu

uma rosa sem destino

sem nome

apenas numa palavra...

apenas

e só

uma letra prisioneira no teu cabelo castanho...

tínhamos o luar e as estrelas convexas do céu da inocência

e as lágrimas da tarde junto ao rio

deixaram de correr no teu rosto de roseira brava

agarravas-me com os teus dentes de marfim

e sentia no meu peito as tuas garras de mpingo solitárias das ruas da cidade dos morcegos

e tão triste

o apego

o sossego

o desemprego...

e só

tão só

que suicidou-se ao primeiro segundo de acordar a luz triangular do sorriso...

desgovernado

embriagado...

apenas

e só...

ele... o coitado... um pequeno silêncio de espuma verde envolvido no teu corpo.

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 29 de Dezembro de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:15

Dezembro 2013
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6
7

8
9





Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
Posts mais comentados
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO