foto de: A&M ART and Photos
Aparecias no descampado morro da solidão,
trazias vestido o perfume da paixão,
e nos seios a cansada poesia do louco poeta,
depois... depois desaparecias na escuridão de uma porta sem fechadura,
deixavas-me suspenso nas amoreiras do desejo,
e entre um beijo,
e entre a saliva do silêncio...
nada mais do que a tua sombra transposta como a matriz ranhura,
ouvíamos o mar galgar as tempestades da tua pele,
e pergaminhos de suor, pequenas gotículas de gemidos ais...
alicerçavam-se à minha mão descarnada, como uma árvore esquecida na madrugada,
e percebia de ti as inconstantes locomotivas do amor,
(tínhamos dentro de nós o beijo e as sílabas desenfreadas com dentes afiados,
não havia em nós as coloridas paredes de verniz,
não havia em nós os sonâmbulos cubos do amanhecer...
e mesmo assim, quase sempre, desejava-te como a caneta de tinta permanente deseja o papel nu,
ausente,
de ti, de mim... de nós, quando se acendiam os candeeiros das avenidas com palheiros de prata)
Aparecias, e desaparecias...
acorrentada a uma fotografia junto ao lago com cisnes circulares e olhos de noite,
procurávamos nas janelas das camas ensonadas os cortinados do Adeus,
ausentávamos-nos, e regressávamos anos depois...
tudo como dantes, tudo tão igual em pequenas fotocópias de prazer,
e sentíamos em nós os tristes pilares do edifício amarelo,
descíamos as escadas, íamos à cave dos sótãos com zincados tectos, e sabia que habitava em ti a fuga, fugias, regressavas... e quando me apercebia, lá estavas tu sentada em mim,
eu era a tua estátua de marfim,
e entre lágrimas e alguns poemas..., nada nos pertencia,
tínhamos dois corpos ancorados aos rochedos de Belém,
e entretínhamos-nos a contar os comboios em corridas apressadas para Cascais,
e depois..., e depois adormecias nos meus braços como uma boneca de porcelana...
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Março de 2014