Aqui vou procurando as sílabas perdidas em ti,
aqui abraço o cansaço dos teus lábios,
aqui adormeço, aqui... aqui habito como um sonâmbulo embriagado,
uns dias olho o luar, outros... outros apetece-me chorar,
aqui não há mar,
gaivotas,
cacilheiros travestidos de neblina,
aqui, eu, percorro as cinzas do teu olhar,
e sonho, e penso, e quero partir como partem as andorinhas depois do término da Primavera,
aqui me esqueço, aqui...
aqui fundeio o meu cadáver de pano,
e grito, Aqui... Aqui a vida é um engano,
Aqui me amanho como um rebanho de desejo,
escondo-me na montanha do adeus, e nada, e nada,
aqui tenho livros que não quero ler,
odeio as palavras, odeio o querer...
querer que não tendo vou ter,
o quê?
Que aqui vou procurando as sílabas perdidas em ti,
os jardins sem flores,
as nuvens tão negras, tão negras... que é sempre noite,
sempre... sempre noite,
aqui não há Cais do Sodré,
machimbombos, mangueiras... papagaios em papel colorido,
aqui me enforco, aqui habito imaginando que tenho ossos, que tenho vida...
tecto com estrelas em chita, aqui... aqui nada me excita,
nem as palavras, nem as imagens das fotografias assassinadas,
aqui não há madrugada,
amanhecer,
aqui, aqui apenas existe dor, aqui, aqui apenas existe... engano.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Março de 2014