Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Jun 14

Deixei de sonhar,

a vida entranha-se nos meus ossos tridimensionalmente aos soluços,

e eu, às vezes, percebia que havia uma parábola no meu olhar,

comecei a despedaçar imagens, comecei a desperdiçar curvas, quadrados e triângulos,

os sonhos iam desaparecendo, como a chuva, aos poucos, misturada com finíssimos raios de sol,

e em vez de sonhar,

comprava num quiosque das redondezas algumas gramas de noite,

pensava eu que era o esqueleto de verniz mais feliz da minha cidade,

não o era,

e... e nunca o fui,

depois regressaram aqueles malditos pássaros de aço,

tão esfomeados que, que comecei a trocar os poucos beijos que me sobejaram por andorinhas de papel,

 

(batem à porta)

 

É o meu vizinho a queixar-se que os meus sonhos não o deixam adormecer,

respondo-lhe que..., que eu não sonho,

que... que há muito deixei de sonhar,

escrever,

e amar,

 

(o tipo ateima que sim, que são os meus sonhos,

canso-me...

e mando-o foder com todas as letras...)

 

São tristes os candeeiros da minha rua,

não respondem às minhas questões e anseios,

ignoram-me...

e quantas vezes... nem servem para me iluminarem,

abaixo os candeeiros da minha rua,

a minha rua...

e esta estonteante cidade,

a que pertenço e que me engole a cada milímetro de solidão,

 

(batem à porta)

 

(o tipo ateima que sim, que são os meus sonhos,

canso-me...

e mando-o foder com todas as letras...)

 

Deixei de sonhar,

deixei de ver as sanzalas iluminadas pelo doce luar,

deixei de ouvir o melódico som dos mabecos,

e da espuma brilhante do mar do Mussulo,

dois ou três caixotes em madeira apodrecida,

e apenas uma pequena caixa de sapatos com um, com... com dois, talvez três sonhos,

um avião telecomandado,

e livros do meu pai,

um par de calções,

e... e alguns tarecos,

e os sonhos?

Deixei de sonhar e voava, e voava quando calçava as minhas sandálias de couro...

 

(batem à porta)

 

É o carteiro!

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 11 de Junho de 2014

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:15

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