O teu beijo amorfo,
clandestino do enclave da insónia,
cai a noite sem perceberes que a noite é uma mulher invisível,
uma amante cobiçada por todos,
suspensa nos tentáculos das estrelas sem nome,
o teu beijo silencia-se e morre...
o teu beijo deixa de ser beijo,
e transforma-se em desejo,
inverso, transverso esforço que alicerça o teu corpo à ponte metálica...
balança e não cai,
e levita depois de acordar a madrugada,
como se de um pôr-do-sol em decomposição se tratasse...
O teu beijo amorfo... evapora-se,
morde os lábios de cetim, e... e vai à janela da solidão procurar pedacinhos de papel colorido,
imagina-me uma sombra com pequenos ramos que partem na ferocidade do vento,
vergo-me, troço-me até palmilhar a terra húmida depois da chuva do fim de tarde,
e fico estendido como uma pedra entre o sacrifício e a vontade de correr...
beija-me, penso-o enquanto aos poucos esforço-me para me levantar,
Agarro o teu beijo amorfo,
acaricio-o na palma da minha mão de caduca folha,
sinto-me desgovernado quando imagino o mar a entrar no meu corpo,
penso que vou morrer,
penso que serei o primeiro a partir... por motivos de um beijo amorfo...
sei que a morte é natural... normal,
mas... tudo por um beijo?
o cansaço invade-me,
a força motriz que alimenta os eléctrodos do meu coração... começa a esvaziar-se,
os eléctrodos apaixonam-se por mim,
e fico sem jeito,
fico... impávido enquanto o teu beijo amorfo desce a Calçada da Ajuda...
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 7 de Julho de 2014