O amor é uma lâmina de pedra
Cravada no coração
É o pedestal sem estátua
O amor é a lágrima da solidão
Descendo docemente o teu corpo
Enrola-se nos teus seios
Poisa pausadamente nas tuas coxas
E dorme no teu ventre
Crescem dentro de ti as palavras
E os Oceanos de Luz
Corre o rio da insónia
Que a noite leva
E come
Nas cidades sem pálpebras
O sangue
O teu
Voando em todas as Primaveras
Do calendário da paixão
Alicerça-se à tua boca
Como sargaços de aço
Em morte lenta
Junto ao barco do destino
A madrugada incendiada
Pelos teus lábios de inocência
Como os livros que nunca vou escrever
Uma noite
É o amor nocturno sem vagar para abrir as comportas dos líquidos sonoros do teu púbis
A janela sem cortinado
Lá fora
As miúdas de palha de patins em linha
Danças
Sobre a cama
Suspendes-te no tecto da saudade
Sem ter tempo para a saudade
Uma noite
O amor
Não tem saudade
É o volátil cansaço dos jardins em flor
Os tentáculos de marfim
Nos dentes de um crocodilo
Velho
Uma noite
Alicerça-se à tua boca
Como sargaços de aço
Em morte lenta
Os tristes poemas da amargura
O cais em engate
Como às cordas do silêncio
No pescoço da alvorada
No teu corpo
O corpo
Do cacimbo embriagado
Na tua mão
A enxada da poesia
E o medo toma conta de nós
Não percebo os segredos proibidos
Das clarabóias do infinito
Vejo no teu corpo
A lua recheada de poeira
Ao centro
Sobre a mesa
O teu corpo
Despido das pétalas em cartolina colorida
A sombra do teu cabelo deitada na almofada
O primeiro beijo antes da primeira palavra
(O amor é uma lâmina de pedra
Cravada no coração
É o pedestal sem estátua
O amor é a lágrima da solidão
Descendo docemente o teu corpo
Enrola-se nos teus seios
Poisa pausadamente nas tuas coxas
E dorme no teu ventre)
A primeira palavra
Antes do primeiro orgasmo
A sílaba no teu primeiro poema
Escrito no meu corpo
Ensanguentado de veludo
E de fotografias de mortos
Aleatoriamente dormindo na montanha da melancolia
A ardósia tarde partindo em direcção ao mar
Leva-te
Leva-te como são levadas todas as manhãs da minha secretária
O teu corpo
No meu corpo
Invisíveis marés de espuma
O sémen desenhando círculos no teu olhar
E dizem-nos que o impossível
É possível
É comestível
E no entanto
O amor é uma lâmina de pedra
Cravada no coração…
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 18 de Abril de 2015