Sentíamos os alicerces da noite
Nos tormentosos desejos de luz
Que ao acordar
Nos abraçavam
O teu corpo
Era um ponto equidistante
No espaço silencioso
Sentia-te dentro de mim
Como se fosses um intruso vulto
Para me apunhalar
Não morri
Sabes disso
Ouvíamos as marés de granito
Contra os beijos de xisto
Beijar-te… o impossível marinheiro enforcado nos teus seios
Eras uma estátua de vidro
Que dançava em Cais do Sodré
Só
Tu eu e ele
O triângulo da vaidade
Sobre a clarabóia dos desnudos corpos
Nossos
O eléctrico avançava
Éramos prisioneiros
Eu de ti
Tu de mim
E ele
Ele dele
À janela
As quatro paredes da infância
Fotografadas pelas nossas línguas
Entrelaçávamos os dedos de arame fino
E nunca soubeste o meu nome
Repartias a tua cama
Com o meu cadáver de veludo
Enferrujado
Sentias o peso da areia nos teus ombros
E descias o poço da saudade
A nossa cidade
Um perfume envenenado
Pela paixão das palavras
E nem tive tempo de perguntar-te
Se…
Se me amavas
Ou se a noite nos pertencia
Ou... ou nós é que pertencíamos à noite
Devagar
Beijava-te enquanto dormiam os nossos relógios
Que alimentava a nossa pele
Uma parede de insónia
Separava os nossos corpos
Luanda entrava na tua vagina
E tínhamos a Baía só para nós
As palmeiras
E os tristes rostos de alumínio
Esperando o regresso da tarde
Tinha medo de ti
Meu amor
Tinha medo do caderno onde escrevo
E via o meu corpo franzino
Soluçar nos teus braços
E hoje
Vejo o meu corpo de cinza
Soluçar nas tuas lágrimas de prata…
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 20 de Abril de 2015