O envidraçado corredor alimentado por fotografias e pensamentos, olho as fotografias, e sinto os pensamentos no corpo, sento-me, e levanto-me, caminho sem destino, volto a sentar-me, e levanto-me, durmo, tantas vezes que o cansaço me absorve, que figura
Os esqueletos de luz passam, e
Que figura, embriagado por uma cadeira, não sonho, invento bonecos de palha no silêncio da dor, e a morte mesmo ao seu lado…
Perdi-me em ti, meu amor, não sei quando acordará a manhã e tu, cá, vestida de insónias sobre a minha campa de palavras, o envidraçado, de vez em quando, sorri
Odeio o riso, odeio a luz e a noite, odeio as cidades e os rios e o mar,
Os barcos,
O que têm os barcos, meu amor,
Corpos,
Mortos,
Desenhos na caligrafia, os desenhos embrulhados às poucas palavras,
Nunca
Lhe
Ouvi
Uma apalavra
Nunca lhe ouvi uma palavra, disse-me ela enquanto tomávamos um café
O cigarro,
Apagado,
O dia terminado, sem que eu tenha alcançado as ruínas dos teus ossos, a cada sílaba retirada
Um ai,
O cansaço das árvores enquanto dormem, as pedras minúsculas do teu olhar, pregadas, à parede sem saberem que o dia nunca existiu
O meu irmão António
O dia nunca existiu, tu, tu nunca exististe, ela nunca existiu nem ele e ela alguma vez tenham existido,
Confusão, as tuas palavras, confusão, meu irmão, a nossa vida
Desgraçada,
António, amanhã vais ao terreiro e trazes meia dúzia de cigarros, três ou quatro fósforos… e fugimos, para longe, meu irmão, para longe, lembras-te, quando pedimos à mãe que nos levasse ao circo…
Não gostavas de circo, não gostavas de nada nem de ninguém, não pertencias a esta vida, o agora, o antes, porque o depois
Circo, António,
Porque o depois torna-se o agora e o agora transforma-se em ontem, e onde estiveste ontem, António,
No circo, no circo,
Do envidraçado, não via nada, nada, apenas esqueletos de luz…
(ficção)
Francisco Luís Fontinha - Alijó
Sexta-feira, 24 de Abril de 2015