Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

19
Abr 15

A vida do sentido proibido

O escoamento do líquido adormecido

Nas mãos do sem-abrigo

Esquecido

Faz da cidade

O amor em quadriculadas paixões de medo

Dorme acreditando que não acordará mais

Sonha com triângulos de luz

Saltitando no tecto do desejo

A vida

Esta vida

Embrulhada no invisível beijo

 

Não o vejo

Meu amor

Deixei de o ver desde o dia do Adeus

Quando os Cacilheiros da nossa cama

Se afundaram no poço do prazer

Tínhamos os livros exilados

Das tempestades do sofrimento

E mesmo assim

A vida do sentido proibido

Não brinca dentro de nós

O cigarro nos teus dedos

E nunca fumaste

 

Imaginava-te em frente do espelho da solidão

Procurando rugas

E aranhas zangadas com o silêncio

Dos teus peixes

Meu amor

As espinhas

E o pó dos Oceanos enferrujados

Os barcos de água

Galgando as coxas da inocência

Como um bolo

De chocolate

Na boca de uma criança

 

Dormíamos com o Tejo pintado no teu corpo

Regressavam os petroleiros

E sentíamos os apitos das gaivotas de aço

Poisando

Em pequenas plataformas de espuma

Até… até adormecerem no teu colo

Olhava-as

Fazia-lhes festas como se fossem os nossos filhos

Que nunca viram a madrugada

Nem a manhã

Dançando nos teus lábios

Tínhamos o mundo dos vulcões de areia

 

E as pinceladas conchas do primeiro abraço

Tínhamos os socalcos do Douro

Encurvados nas lâminas da insónia

E o vento folheava o teu cabelo

Entre espadas e balas de amêndoa

Canso-me

Meu amor

Da escrita e das palavras

Dos livros

E das coisas parvas

Canso-me das fotografias que me tiraram na infância

Sempre o mesmo ranhoso

 

Sempre…

Sempre a mesma sombra sobre os ombros

Frágeis

Magoadas conversas

Nós

Perdidos num jardim de província

Sem barcos

Sem Calçadas

Sem gajas

Nem gajos

À pedrada

À pancada

 

Como os Monstros do Tejo

Quando dormíamos

E entravam nos nossos corpos de néon

Faziam-nos o que não queríamos fazer

E nós

Impávidos

Perdidos num jardim de província

A declamarmos poesia roubada na Feira da Ladra…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 19 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:27

A casa amarela

Dos segredos invisíveis

A impossibilidade de amar

Quando o vulcão da esperança

Em línguas de fogo

A aventura de cessar

Todos os prazeres da vida

Deixar de viver

Meu amor

Estando vivo

Deixarei de pertencer aos sábados melancólicos

Se me abraçares no espelho da paixão

 

Deixei de perceber o amor

E perdi-me no tempo

Não sei o que é amar

Quando amado fui

E amado não serei mais

As mãos

As tuas mãos pinceladas no meu corpo

A atmosfera embriagada das cancelas do amanhecer

O amor imperfeito

Ingénuo

Ambíguo…

Amanhã

 

Meu amor

Domingo

Sem sentido

Perdido

Eu

Nas tuas sombras de incenso

Pego nas tuas asas de papel

Escrevo uma mensagem

E voas

Como corpos em cinza

Levados pelo vento

Das tristes insígnias

 

Tenho medo

Meu amor

De amar-te

Quando percebi

Que não sei amar

Sou um imbecil

Um… um vulto de nada

À janela

Olhando a tua alegre beleza

Na escondida esplanada

Sentados

Brincamos às escondidas

 

Eu escondo-me

Tu escondes-te

… e ele

Eu

Escondido no teu peito

A masturbada cintilação

Das palavras em flor

Os livros comprados

Meu amor

As palavras penhoradas

Por ti

Quando a minha vida

 

Valia quase nada

Não tenho preço

Nem idade

Nem fotografia

Sou um triângulo apaixonado

Pelas janelas das equações diferenciais

O caderno

Em quadrados

O teu corpo

O meu corpo

Em pedaços de rectas

Sem destino

 

Tu

Ao acordar

A carta de despedida

Envidada

Do cansaço

Atravessava a eira

Sentava-me

Meu amor

Ouvia o sino de Carvalhais

Meu amor

Oito horas da noite

Vejo-a

 

Sinto-a

Quando a janela em liberdade

Me trazia o som das cigarras

Pensava em ti

Pensava na Teoria da Relatividade

Ai…

Meu amor

A saudade

Caminhava sobre o teu corpo de gesso

A iluminação da alegria

Hoje

Não

 

Meu amor

Hoje eu não te mereço…

Tenho em mim a tua morte

Sílaba apaixonada

Das pedreiras abandonadas

Vou

Não regresso

Meu amor

Aos teus braços

Sei que a noite me mantém vivo

Porque cerro os olhos

Pego numa tela vazia

 

E desenho o teu sorriso de granito…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 19 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:30

18
Abr 15

O amor é uma lâmina de pedra

Cravada no coração

É o pedestal sem estátua

O amor é a lágrima da solidão

Descendo docemente o teu corpo

Enrola-se nos teus seios

Poisa pausadamente nas tuas coxas

E dorme no teu ventre

Crescem dentro de ti as palavras

E os Oceanos de Luz

Corre o rio da insónia

Que a noite leva

E come

Nas cidades sem pálpebras

O sangue

O teu

Voando em todas as Primaveras

Do calendário da paixão

Alicerça-se à tua boca

Como sargaços de aço

Em morte lenta

Junto ao barco do destino

A madrugada incendiada

Pelos teus lábios de inocência

Como os livros que nunca vou escrever

Uma noite

É o amor nocturno sem vagar para abrir as comportas dos líquidos sonoros do teu púbis

A janela sem cortinado

Lá fora

As miúdas de palha de patins em linha

Danças

Sobre a cama

Suspendes-te no tecto da saudade

Sem ter tempo para a saudade

Uma noite

O amor

Não tem saudade

É o volátil cansaço dos jardins em flor

Os tentáculos de marfim

Nos dentes de um crocodilo

Velho

Uma noite

Alicerça-se à tua boca

Como sargaços de aço

Em morte lenta

Os tristes poemas da amargura

O cais em engate

Como às cordas do silêncio

No pescoço da alvorada

No teu corpo

O corpo

Do cacimbo embriagado

Na tua mão

A enxada da poesia

E o medo toma conta de nós

Não percebo os segredos proibidos

Das clarabóias do infinito

Vejo no teu corpo

A lua recheada de poeira

Ao centro

Sobre a mesa

O teu corpo

Despido das pétalas em cartolina colorida

A sombra do teu cabelo deitada na almofada

O primeiro beijo antes da primeira palavra

(O amor é uma lâmina de pedra

Cravada no coração

É o pedestal sem estátua

O amor é a lágrima da solidão

Descendo docemente o teu corpo

Enrola-se nos teus seios

Poisa pausadamente nas tuas coxas

E dorme no teu ventre)

A primeira palavra

Antes do primeiro orgasmo

A sílaba no teu primeiro poema

Escrito no meu corpo

Ensanguentado de veludo

E de fotografias de mortos

Aleatoriamente dormindo na montanha da melancolia

A ardósia tarde partindo em direcção ao mar

Leva-te

Leva-te como são levadas todas as manhãs da minha secretária

O teu corpo

No meu corpo

Invisíveis marés de espuma

O sémen desenhando círculos no teu olhar

E dizem-nos que o impossível

É possível

É comestível

E no entanto

O amor é uma lâmina de pedra

Cravada no coração…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 18 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:16

Hoje

Conversei com a noite

Como estás?

Há tanto tempo que não te via…

Estou

Aqui

Estou bem

Obrigado

Percebo que o amor

É um poema de “merda”

Amar é sofrer

Preferia resolver

 

Equações complexas

Davam-me mais prazer

E não tinha medo de perder…

Aquilo que nunca tive

Regressar a ti

Aos teus braços de constelação apaixonada

A essência dos delírios em Cais do Sodré

Não é

Meu amor

O passado

Uma fotografia do futuro?

O amor é orgasmo

 

(li hoje num poema de uma amiga)

O amor é orgasmo

É silêncio

Na boca da esperança

Perdia-a

Perdi-me

Nas tuas avenidas

De luz

Com pontes

As matrizes

Deambulando nos teus seios

Os dardos do sofrimento

 

Todos

Eles

No meu peito de granito

Perdi as lágrimas

E o futuro

Vivo

Acreditando que não vivo

Escrevo

Mas sei que não escrevo

Tenho medo

Daquilo que os outros pensam

É maluquinho…

 

Poemas de amor…

Já ninguém os escreve

Há nas ruas da minha solidão

O fantasma da velhice

Acordar

E

Deitar

Só…

Os alfinetes da saudade

Imaginados

Nas nádegas dos orgasmos invisíveis…

Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

 

Os cortinados envenenados pela paixão

Meu amor

Nas nádegas o sorriso da censura

Nada espero de ti

Porque nunca esperei nada

De nada

Apenas dos orgasmos meu amor

Das palavras

Entre palavras

Dois corpos de palavras

O amor

Os solitários

 

Os beijos desenhados nas cancelas da madrugada

Não encontra o número do cubículo

Procura na algibeira as chaves do púbis enganado

Ele

Desempregado

Das palavras

Entre palavras

Gemidos

Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

E a vida termina…

Numa ruela

Sem… sem saída.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 18 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:25

17
Abr 15

O arco e flecha encurralados na floresta

O arco-íris do teu olhar

Sem cor

Nu

No escuro tormento da dor

A raiva do xisto contra as mãos do velho

O chapéu dançando conforme ia crescendo a embriaguez

O dia

Esfumava-se entre os dedos

Nunca conheceu a alegria

Nem sabia

Da morte

Nas palavras

Pálpebras do engano

Não comia

E de vez em quando

Sentia

Na garganta

Os alicates do sono

Tinha medo do rio

E do seu nome

Dizia que as árvores eram toalhas em renda

Deitadas nas acácias do sonho

Habitava nas rochas

Nunca lhe conheci casa

Mulher

Ou…

Ou família

També não interessa

Lamentava-se

Enquanto tropeçava nos candeeiros

Semeados no centro do passeio

E perguntava-se…

Quem foi o filho da” puta” que mandou colocar os candeeiros no meio do passeio…?

Alguém mais embriagado do que ele

Alguém mais parvalhão do que eu

Porque eu e ele

Somos um

A minha imagem projectada na parede

Éramos dois

Combóis de silêncio

Descendo a Ajuda

(O arco e flecha encurralados na floresta

O arco-íris do teu olhar

Sem cor

Nu)

E eu

Dois esqueletos na parede…

Não há cigarros hoje

E amanhã…

Dois

Um

Dois

Descíamos

E subíamos

As escadas do desejo

A espingarda disparava canetas de tinta permanente

O caderno preto

Gemendo no crivo da madrugada

Não sabia que as pedras choravam

Quando eu acordava

Desalmado

Embalsamado

E enforcado no peitoril enlouquecido

Ela gritava-me do limiar da pobreza

Não

Não…

Hoje não

Terminava o dia

E o tédio

Regressava

Sem bagagem…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 17 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:30

16
Abr 15

O pecado que o amor confere à paixão

Impregnado numa imagem sem som

Dactilografada

Nos teus dedos

À tua boca

A minha boca

O barro incendiado pela alegria das campânulas de luz

Nu

O corpo

Seduz

O corpo seduz a alegria do poeta

Fugir não adianta

 

Não há sítio onde me possa esconder

Nu

O corpo

Seduz

Os homens

Tombando numa parada militar imaginada

Pelo silêncio da tua pele

O sangue fervilha na ribeira ardósia das cansadas sestas

Dentro de casa

O nome gravado na parede da sala

A falsidade manhã

Em despedida

 

Até mais… meu amor

O Tejo embriagado nas tuas sílabas de medo

Belém na minha algibeira

Tormentosa

E vazia

(as gajas não querem gajos tesos)

Eu sei

Meu amor

Que tínhamos encerrado as janelas do prazer

O café esperava-nos

E nunca percebi o teu cheiro

Cheiravas a incenso

 

Alguns livros

E àquele sorriso de inocência

Depois

A tempestade

A chuva disfarçada de má sorte

(as gajas não querem gajos tesos)

Eu sei

Meu amor

No eterno cemitério da fantasia

Sinto-o quando recordo a tua morte

E visito a tua lápide

Meu amor

 

Sem palavras

Fotografia

Esquecida entre uma cruz em madeira

Cabras

O pasto cinzento dos teus gemidos

Ele

Alicerçava-se aos carris do inferno

Beijavam-se

E extinguia-se o dia no sótão da literatura

Sabes

Meu amor?

Cansei-me das tuas cartas não escritas…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 16 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:28

Radiografia de orgasmos

Acompanhando os ossos do sofrimento

Descem à tua mão os lábios

Que o beijo pintado

Nas veias do vento

Escreve na caneta de tinta permanente

As palavras

As palavras que não consigo dizer

Porque a minha boca

É uma prisão

Em sabão

Sem nunca ter regressado

 

Às coxas

Tuas pinceladas coxas

Meu amor

Ou não meu amor

Tanto faz

Na minha idade

Ser amado

Amar

Ou… um palhaço pintado

No olhar da serpente de ferro

Nas sombras de Lisboa

Meu amor

 

Ou não meu amor

Amo

- A mim?

Amo Lisboa e o seu rio

Os marinheiros embriagados pelo fado nocturno do silêncio

A morte da guitarra

Meu amor

Ou não meu amor

Eu

Perdido

Numa estrada curvilínea

Assassina nas horas vagas

 

Faz uns bicos

Gama umas carteiras vazias

E foge

Leva os filhos e os não filhos

Leva as sebentas

Recomeça o curso

Uma treta

Comparando um curso

Com… com a tua letra

Das cartas rejeitadas

Meu amor

Ou não meu amor

 

A música cansada das tardes de Domingo

A fotografia da Igreja junto à lareira

Ouvia o sino enquanto lia no quarto

Três da madrugada

Tu à janela desenhando cigarros na fome melancólica da paixão dos pássaros e dos peixes desta ilha funda e deserta, coitados dos homens apaixonados, compram livros, vestem as personagens de noite

E

Engate

O automóvel alicerça-se ao asfalto do prazer

Lá dentro

Gemem poemas

E engate

Às três da tarde

 

Consultório

A clínica esperando o engatado

Uma coisa simples

Bom homem, culto, esbelto… e… uma coisa simples

A liberdade de amar

A liberdade de ser amado

Ou

O engate

Odiado

Como as candeias da prisão de Caxias…

E coisas

Coisas de coisas.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 16 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 00:02

15
Abr 15

As palavras

Incendiadas pela espiral sinfonia da solidão

O aço bravio

Nos azulejos da madrugada

O aviso

Suspenso no frigorífico…

Amanhã

Não estou…

O silêncio dos pergaminhos

Que embrulham o teu corpo

Sem número de polícia

Esquecido numa rua

 

Deserta

Apenas

As palavras

O destino pecado do sofrimento

Caminhas sobre as marés de vidro

Que o vento semeou

E deserta

A porta de entrada dos vulcões de areia

A praia desce a calçada

Pára

Finge olhar a montra do alfaiate…

 

Falidos

Comércios

E Oceanos

E os sem-abrigo

De mata-ratos entre os dedos de arame

Um barco enfurecido

Cospe lágrimas de fogo

Que a manhã inventou

Depois do pequeno-almoço

A cidade fervilha nas tuas mãos

A prata embriagada do teu sorriso

Nos castanhos castelos de neblina

 

Como as imagens sombreadas

Do poema acabado de morrer…

Oiço as canções do luar

Que alimentam as cinco estátuas de luz

No jardim da esperança

O medo

Vestido de orvalho

O menino drogado

Olhando o espelho do passado

O amor das aldeias em flor

Quando regressa a Primavera

E tu… um esqueleto de duzentos e seis ossos… e pó…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 15 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:00

14
Abr 15

Não regresso mais aos teus braços

Meu amor

Não sei se deva tratar-te por meu amor…

… ou… por meu amor

A sinfonia adormecida das amendoeiras em flor

Descendo socalcos até ao rio

Um corpo camuflado pelo silêncio

Dá à tona

Pede abrigo

Dá a mão

E morre

O meu amor

 

Meu amor

As sílabas do amor complexam no dia em que tu partiste

Perdi-me na fachada húmida de um prédio em ruínas

Aos poucos

Meu amor

A tinta descolorida das palavras

Vestiu-me

Transformei-me em livro

Vê tu

Meu amor…

L I V R OOOOOOOOOOOOOOO…

Com teias de aranha

 

Bolor

E sandes de velhice

Quase parecia um transatlântico enferrujado pelo desejo

A mulher

Em casa

De pernas…

Abertas

Meu amor

Abertas

Depois vieram os filhos

A doença

A família encaixotada num cubículo de sombra

 

O fim

Dos sonhos

E das festas quadriculadas da paixão

A viagem

Sem

Sem regresso

Meu amor

Morreram todas as personagens do nosso amor

Hoje

Hoje já não existe banco de jardim

A árvore

O livro que tinhas na mão

 

E eu

Olá

Estás bem?

Meu amor

Os desenhos estranhos que desenhei na tua pele

As equações que resolvi nos teus seios

E nas tuas coxas

Dormia

Sonhava

Que existes

Ou… meu amor…

L I V R OOOOOOOOOOOOOOO…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 14 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:41

O vento não passa por mim

Não me abraça

Não brinca comigo no jardim

O vento ignora o baloiço da minha infância

Deixa-me sem paciência

Para as coisas

As mais simples

E as mais belas

O meu cão fugiu de casa

Ou fartou-se da casa

Ou cansou-se das minhas palavras

E nem o vento o traz

 

E nem o vento me leva

Como o faz

Às folhas caducas de uma árvore

Ou aos cabelos desalinhados da doença

Não toca nas páginas escritas sobre a minha secretária

Nem nos livros não lidos

Por falta de tempo

Por falta de vontade para o fazer

O vento não passa por mim

Não me abraça

Nem dá força à tua barcaça

Que andas à deriva

 

Num Oceano sem nome

Algures entre Luanda

E

E Lisboa

O vento

Esquece

O vento esquece a criança que vive dentro de mim

Que brincava num quintal

Recheado de sombras e cheiros

Que trouxe

Mas com o tempo se perderam nos socalcos do Douro

E outro vento

 

Os levou

Para outro Oceano

Tão distante

Meu amor

Tão distante que nem à velocidade da luz

Eu

A criança

Conseguia alcançá-los

Os calções

Os papagaios de papel

Longe

 

Procurando outro vento

Numa outra cidade

Sem ruas

Sem pessoas para amar

Apenas cinzas

De um velho cigarro

Suspenso

Entre dedos

E rochedos

(O vento não passa por mim

Não me abraça

Não brinca comigo no jardim

 

O vento ignora o baloiço da minha infância

Deixa-me sem paciência

Para as coisas

As mais simples

E as mais belas)

Como o sorriso do teu amanhecer

Junto ao Tejo

Os cacilheiros embriagados de transeuntes

Apressados

Tão apressados

Que

Que deixaram de sentir o vento

 

Como eu

Eu

A criança do baloiço

Inventando círculos de prata

Nas manhãs engolidas pelo cacimbo

O vento

O vento é uma desgraça

Não passa

Nem me abraça…

A cabeça estoira

E a chuva pendura-se

No vento que de mim desistiu.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 14 de Abril de 2015

publicado por Francisco Luís Fontinha às 18:02

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