Vivíamos na sombra branca do hemisfério da loucura, sentia-te dentro do meu corpo, brincavas, imaginavas coisas, escrevias no meu pensamento,
- Deixa-me,
Não me conhece, sou um estranho com um coração em granito, sou um poço abstracto no fogo das borboletas, e esqueceu o meu nome
O amor,
- Deixa-me,
O meu nome penhorado a uma certa madrugada, fugiram as estrelas, as ruas, os nomes das ruas…
Ai o amor,
- Deixa-me…
O amor embaciado nas vitrinas esquecidas, os lábios do amanhecer pincelados de desenhos, luzes, o circo, o palhaço, o secreto poço-da-morte,
Perdoa-me, deixa-me navegar nos teus braços, deixa-me abraçar-te, beijar-te, e escrever no teu olhar
Amo-te,
- Deixa-me,
Amanhã o deserto crucificado pela neblina, o sono infinito nas águas salgadas, desfalecendo na tempestade, ai o amor, o triste amor, os cansados automóveis no enigmático corredor da roleta,
Cinco,
“Caralho… tinha o seis”…
Tudo,
Ai o amor,
Perdi,
Naquela noite sabíamos que a despedida era um rochedo embriagado, um barco ancorado, um magala engolido por um mochila recheada de pedras,
Sentido!
Sentido nenhum, palavra alguma, a janela parece uma gaivota envenenada pelo sol da madrugada, minto, finjo, e sinto-me
O algodão sangrento dos plátanos em dor, as pedras da calçada,
Calcinadas,
E sinto-me,
- Deixa-me,
Um abutre saltitando nos Oceanos fotográficos da solidão, calcinadas, as pedras da calçada, e sinto-me, um Cacilheiro enfeitiçado, uma lâmpada melancólica, uma âncora segurando os dias, as noites, as tardes,
Calcinadas,
Frágeis,
As tardes encharcadas, húmidos corpos de naftalina, olhar franzino, esqueleto em xisto, boca com acesso à cave,
Vende-se,
- Deixa-me… nesta lata,
Um abutre, frágeis e calcinadas, as manhãs, as estradas, e todas as palavras…
Francisco Luís Fontinha – Alijó
26/07/2015