o peso do corpo
quando o corpo se ausenta da realidade
a morte vulcânica do sentido proibido da vida
os tristes pássaros empoleirados nas avenidas sem destino
a lucidez do alpendre da solidão
caminhando calçada abaixo
os ossos
o pó dos ossos
manchado nos camuflados risos da manhã
ao teu lado
oiço amo-te
ao teu lado
oiço-te desejo-te
mas a madrugada roubou-nos o desejo
tenho uma estrada abandonada
nos abismos da madrugada
o silêncio enraizado na melancolia do suor teu corpo
a alegria
sentindo a solidão dos obscenos corpos de nata
há-de viver em mim a mulher desenhada nos espiões da noite
o amanhecer morre no ínfimo acreditar da noite
tenho sono
meu amor
amanhã viverei no teu corpo
amanhã sentirei o teu corpo
fatias finas
papel amargurado
nas algibeiras dos corpos suicidados
a morte
os amigos da morte
na ambição do sonífero sonolento
hesito
morro
neste barco de sentinelas amordaçados
o tempo
sempre ausente de ti
enigmático coração de vidro
sofro
deixo-me sofrer pelos teus lábios
os beijos
o comboio em direcção ao nada
transeuntes acabrunhados
que só o vento desenlaça na porta de uma casa de alterne
o medo da morte
a embriaguez dos rostos maltratados
que os livros comem ao pequeno-almoço
são horas de partir
meu amor
a ausência do cachimbo oco que habita a minha mão
a ausência do olhar
correndo em redor do mar
a cerveja quente o uísque alicerçado às minhas costas
fumam
comem cigarros livros de papel fumado
a noite é um corrupio sonolento da alma
amei-te
quebrado nas montanhas da solidão
este magro corpo acordado do sono
este magro sono acordado no magro corpo
gosto de ti
dos teus olhos vestidos de noite
entre parêntesis
snob
sono da alegria de morrer
Francisco Luís Fontinha
domingo, 3 de Abril de 2016