sinto o peso da lua
sobre os ossos em papel
que habitam o meu corpo
escondo nas mãos o luar nocturno da solidão
dos tristes pássaros do meu jardim
escrevo-lhes e converso com eles
a minha presença incomoda-os
e pareço uma imagem aprisionada num hipercubo de sombras
sonhos
rios infindáveis
palavras esquecidas no vento
correndo nas minhas veias de vidro martelado
o opaco desejo nas madrugadas embriagadas pelas andorinhas
o silêncio abraçado a uma árvore
sinto o peso da lua
sobre os ossos em papel
que habitam o meu corpo
aos poucos vejo o teu olhar sentado sobre o meu peito doente
como se existissem roldanas de cartão
na pele que me alimenta
sou um aldeão sem aldeia
mas das montanhas
regressam os homens do coração granítico
que trazem a noite
e me roubam as palavras
depois a tua boca entrelaçava-se na minha
um fino sorriso de nylon brincava na janela virada para o mar
os barcos encalhados nas tuas coxas
em pequenos apitos sonâmbulos
uma casa em chamas
dois corpos em chamas dentro da casa em chamas
o farol lá longe
guiando-nos até ao infinito
a morte
a paixão laminada pelos orifícios do deserto
sinto-me um prisioneiro esquecido num qualquer porto de mar
cordas
correntes de luz dificultando-me a mobilidade das palavras
os livros também em chamas
na casa em chamas
com dois corpos em chamas
o inferno inventando o suor do teu corpo
as asas que te levam para o Céu
também elas em chamas
a fogueira dos nossos cadáveres sobrevoando o horizonte
descemos a calçada
sentamo-nos junto ao rio
dois condenados ao amor impossível
às cartas nunca escritas
o amanhecer quase a chegar
nos teus lábios as pedras preciosas da saudade
há tanto tempo com esta enxada rosada na mão calejada pelas pálpebras do incenso
há tanto tempo
aqui
sem ninguém
Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 6 de Abril de 2016