A ponte desesperada.
O silêncio amargurado das velhas esplanadas
Caindo do Céu como serpentes de aço
Voando sobre o cansaço
Das velhas madrugadas,
Morro de medo que apareça a tua mão no meu peito,
Fico sem jeito
E deixo de sentir a alvorada,
A ponte desesperada,
A ponte enigmática sobre o rio da solidão,
O peito na mão
Sem mão,
Esperada vaidade dos alicerces da cidade,
A ponte, desesperada; a infinita sombra do sufoco,
A chuva dos dias envergonhada pelas cintilações do medo,
E eu, e eu vou partir.
Vou deixar este caderno e esta esferográfica de carvão…
O meu testamento,
A minha vontade,
A garganta desafinada
Quando desce sobre mim a brisa do amanhecer,
Sinto o frio da saudade,
Sinto o calor do desejo
Na espuma dos dias ambíguos,
Ausentes de mim.
Atravesso o desassossego.
Morro enquanto lêem o poema da tristeza
Que atravessa a ponte
Dos transeuntes embriagados,
Sinto o fumo do teu corpo
Neste velho sótão sem nome,
Ao longe vejo a ponte desesperada,
E tal como eu, em frente ao espelho, também um desesperado apaixonado,
Um velho caixão de sombra
Descendo a calçada da morte,
Então a ponte está desesperada?
Ponte. O desespero da carnificina dos cadáveres cerâmicos,
Cacos, pedacinhos de algodão
Rompendo pelo sótão adentro.
A ponte desesperada,
O silêncio na ponte
Enquanto o meu corpo sente…
O desespero da ponte.
Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 19 de Abril de 2016