Imagino-te arrastando os suspensórios do cansaço,
O cigarro suspenso na boca,
E nas mãos as minhas mãos,
Trémulas como a tempestade…
Apareces,
Desapareces,
E ausentas-te durante o sono,
Entras nos meus sonhos,
Escreves no meu corpo com a caneta da saudade,
O rebelde menino,
Sentado à janela a olhar o mar…
Sinto-te dentro de mim,
Alimentas-te do meu sofrimento,
E pertences às flores do meu jardim,
Imagino-te arrastando os suspensórios do cansaço…
Enquanto lá fora alguém chora a tua partida,
Apátrida memória que se alicerça aos meus braços,
E tens no olhar um triciclo, um velho triciclo moribundo,
Doente,
Sem nome…
Imagino-te, meu amor,
Deambulando pela casa embriagada de dor,
Os cinzeiros cessam o sorriso dos teus lábios,
Há no teu corpo uma barcaça desnorteada,
E que se afunda no meu Oceano…
Fico com medo de perder-te…
E perdi-te sem o saber…
Foste, foste sem dizer Adeus,
E nem coragem tiveste de escrever-me…
Abraçar-me,
Dizer-me que partias e um dia aparecias no meu peito,
Como se fosses uma gaivota junto ao Tejo.
Francisco Luís Fontinha
sexta-feira, 27 de Maio de 2016
todos as noites me sento nesta cadeira sem dono
enquanto não regressa o sono
vou rabiscando qualquer coisa na mão
uma leve brisa guia os barcos até aos meus sonhos
onde poisam lentamente noite adentro
hoje sei que não vou sair daqui
hoje… hoje vou dançar ao som das tormentas
e dos castiçais de prata
que brincam dentro deste velho casebre
iluminado pela paixão
incendiado pelo teu perfume invisível
que a madrugada há-de comer
o derradeiro pequeno-almoço do amanhecer
até que vem o sono
me deito sobre a cama
e invento apitos
e invento gaivotas em papel…
aos gritos
Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 24 de Maio de 2016
caem sobre ti as estrelas da manhã
o sonífero desejo dos meus braços
encalhado no teu olhar
como a pérola adormecida da paixão
rompendo a montanha do Adeus…
subindo lentamente as escadas do mar
até ao sótão do coração…
a esfinge aventura do terno menino
sobrevoando os cadeados de prata
que aprisionam os barcos de madeira
caem sobre ti as estrelas da manhã
nas sofridas avenidas do prazer
que as cidades imaginadas
comem ao pequeno-almoço
sem o saber…
o mendigo das vestes negras
tropeçando na tristeza
senta-se no almoço sem riqueza…
e reza…
e chora…
porque caem sobre ti as estrelas da manhã.
Francisco Luís Fontinha
domingo, 22 de Maio de 2016
imagina que as cidades são estátuas sonâmbulas
sons íngremes voando sobre o mar
que a alma absorve na escuridão
imagina que o amor é a floresta virgem
perdida nas mãos de uma criança
no seu sorriso uma bandeira
sem esperança
imagina que há na saudade um esqueleto de vidro
com cortinados de paixão…
perdido…
agachado no chão ténue do sofrido
imagina… meu amor
imagina as gaivotas poisadas no teu olhar
esperando o meu regresso
sempre
sempre ao madrugar…
imagina…
imagina o meu coração deixado numa loja de penhores
numa tarde de inferno
imagina…
imagina o cansaço da abelha no final do dia
embriagada de pólen
e de barriga vazia…
imagina… meu amor
esta carta sem remetente
esta carta sem destinatário…
imagina
imagina
meu amor
imagina que as cidades são palavras a arder
nos lábios do operário
sempre
meu amor
sempre sem vontade de escrever…
Francisco Luís Fontinha
sábado, 21 de Maio de 2016
Cessou a saudade. Sinto o peso da noite sobre os ombros,
Uma coisa inexplicável,
Sofrível,
Cessou a saudade repentinamente,
Como o calafrio do desejo…
Na incandescente manhã desassossegada,
O término.
Segundo as previsões astrológicas…
Nunca deveria ter nascido,
Mas quis um Domingo que eu olhasse pela primeira vez o mar…
Distante, mas enraizado nos meus braços,
Como a barcaça do sofrimento,
Anos mais tarde,
Encalhada nos rochedos da montanha,
E sentia no corpo a ausência,
Tão pobre este destino…
De ser criança…
De ser menino.
Francisco Luís Fontinha
sexta-feira, 20 de Maio de 2016
Não tenho pressa de caminhar,
Sento-me ao teu lado,
Pinto nos teus lábios o mar,
Escrevo no teu corpo o poema envenenado…
Acabei de desligar a luz da paixão,
Com a crise não há dinheiro para nada…
Precisava de novos cortinados,
Um par de calças ou uma camisa,
Talvez um novo coração,
Porque este, meu amor, já pertence à madrugada,
Onde habitam os braços apaixonados,
E silenciam a benigna brisa,
Nunca disse a ninguém que os teus abraços morreram junto ao rio das gaivotas,
Quando pintávamos barcos ao pôr-do-sol… e descia a noite vagabunda,
Marés de cio invadiam o teu olhar,
E eu forçosamente escondia-me num qualquer Cacilheiro…
Pétalas mortas,
O amor desfeito em lágrimas de amar,
Porque não tenho pressa, meu amor,
Não tenho pressa de caminhar…
Nem flor para de presentear,
Sento-me ao teu lado,
Pinto nos teus lábios o mar,
Que hoje é o meu lençol nocturno do medo…
Francisco Luís Fontinha
quinta-feira, 19 de Maio de 2016
O cansaço absorve-me entre parêntesis de silêncio
E vírgulas de tristeza,
Por mais que eu queira…
Não consigo colocar o ponto final na escuridão nocturna,
Olho-te e vejo-te disfarçada de ponto de exclamação…
Ponto e vírgula quando acorda o dia,
E lá longe, muito longe daqui… oiço os apitos do ponto de interrogação,
Confundo-me com as palavras,
Disfarço e dou por terminado o texto…
Ponto final,
Paragrafo,
E o dia enrola-se na melancolia da saudade.
Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 18 de Maio de 2016
A paisagem despede-se de mim.
Sinto as estrelas poisarem em cada gotícula de suor do teu corpo,
Deito sobre ele a minha desnorteada cabeça,
E regressa o sono do Oriente…
Sonho com pássaros,
Sonho com barcos,
Ínfimas imagens travestidas de loucura absorvem-me,
E sou forçado a fugir para outras paragens sem escuridão.
Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 17 de Maio de 2016
Hei-de construir um barco que voe…
Sobre os sobreiros da minha alma,
Hei-de desenhar um pássaro que navegue…
Nas ténues águas do meu corpo,
Como eu adoro habitar no silêncio…!
Arrancar todas as amarras da tarde
Que um louco relógio de pulso alicerçou ao meu peito,
A espuma do teu olhar enfeitado de amêndoas e flores,
O remorso da paixão absorvida pela solidão
Dos quintais de areia…
Hei-de construir um coração
Com as lâminas dos teus beijos,
Abraçar-te na escuridão depois de partir a noite,
E dizer-te baixinho… e dizer-te baixinho que amanhã há sonhos,
Palavras,
Livros com sabor a medo,
E na confusão do dia…
Hei-de construir um barco…
Um barco com lábios sonâmbulos.
Francisco Luís Fontinha
domingo, 15 de Maio de 2016