Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

03
Mai 16

O dia desaparece nos alicerces da solidão,

O meu corpo finge não pertencer a este objecto inanimado

Que habita esta casa, ouvem-se os pequenos resíduos do cansaço,

E antes de regressar a chuva, termino o meu desejo.

A paixão quando os olhos navegam sobre as searas conduzidas pelo vento,

E que mais tarde morre junto ao cais do sofrimento,

A dor entranha-se nos ossos da tristeza,

O silêncio alimenta o desassossego da alma…

Que permanece impávido quando lhe toco com a minha mão,

Não importa se a noite traz o prazer do sono,

E se os sonhos são desenhados nos corredores inabitados deste rio sem nome…

Morre o dia.

Libertam-se de mim todos os círculos da geometria

E todas as palavras do alfabeto,

O dia já foi, e não voltará mais ao meu corpo,

Abro a janela, sinto o odor do teu olhar

No sexo da melancolia,

Entre azedumes e poemas…

Camuflados pelo incenso da madrugada,

Odeio o teu corpo como sempre odiei o meu,

Pedaços de farrapos suspensos no estendal embrulhados em cordas de nylon,

Descendo a montanha,

Desço-a enquanto o dia é levado para outros longínquos lugares,

Triângulos de papel que ardem à minha passagem,

E tudo em que toco… arde, ou morre…

Morre o dia. Ergue-se a noite no esplendor do esquecimento, e este circo não cessa de dançar sobre os rochedos do medo,

A doença toma conta de mim,

Fico ausente perante os teus olhos,

Fico ausente quando acorda a noite e se libertam de mim as frágeis tempestades de areia,

O mar imagina-me brincando junto aos barcos de esferovite,

Sem motor,

Espero o vento das aldeias em flor,

E quando me apercebo… estou em pleno Oceano,

Liberto de ti

E das garras do teu corpo,

Morre o dia.

Morre o meu corpo.

 

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 3 de Maio de 2016

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:48

01
Mai 16

(à minha mãe)

 

Sou um marinheiro sem barco nem porto onde aportar.

Trago comigo a âncora da solidão cravada no coração,

Trago comigo a ausência do destino abandonado,

Sinto-me um velho encravado nas estrelas,

Pegando num livro de um poeta morto; todos os meus poetas morreram…

E pertencem agora aos meus sonhos.

Sou um verdadeiro falso,

Um falso feliz caminhando junto ao Douro,

Descendo os socalcos do teu corpo,

Encurvados na paisagem abstracta do silêncio,

Sou um privilegiado,

Tenho o dia e a noite,

Doce paixão dos mares amargurados,

Dos barcos apaixonados,

Como eu,

Apaixonado pelas tuas palavras,

Não vás.

Tenho nas veias o rio da morte,

A insónia saboreando o suspiro da noite,

Sofro tanto… meu querido,

Os apitos junto ao mar,

Eu menino agachado nas saias da minha mãe,

Via a cidade escurecer,

Desaparecer,

E morrer,

Apenas caixotes de recordações,

E o beijo da minha mãe,

Sou um marinheiro da madrugada,

Um sifilítico cadáver do desejo,

Nos teus braços,

Mãe,

As fotografias dos negros rostos da nossa infância,

As palmeiras que incendiavam o teu amor,

Junto à baía,

Os gritos das serpentes que deixamos nos quintais das outras brincadeiras,

Os pássaros, mãe, os pássaros,

Junto à janela!

 

 

Francisco Luís Fontinha

1 de Maio de 2016

publicado por Francisco Luís Fontinha às 12:29

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