Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

08
Ago 16

Dos murmurados alpendres onde me arrumavas os braços e as pernas depois de me usares,

Acordavas cedo, puxavas as cordas da noite e começava a clarear o dia, inventavas

Descobri tardiamente

Que inventavas os dias só para mim, como o jardineiro quando sente que uma fina pétala se desprende do esqueleto da Cinderela e também ele, inventa as espinhas que sobejaram dos peixes de madeira que a filha fez numa das aulas de Trabalhos Manuais, ele aprendeu a pregar botões e a fazer uma simples instalação eléctrica, e com algumas picadelas nos dedos de areia

Descobri tardiamente que não tinha jeito para invenções,

De areia como as línguas de fogo que começaram a descer dos telhados de vidro das casas dos mais enlouquecidos pasteis de nata, do Rossio até Belém, aproveitando o vento e o sabor a morango do rio, a cidade ia ficando-se

Como tu antes de inventares esse maldito espelho onde te olhas ao acordar, a janela do dia de ontem, onde vês o restaurante encerrado por falta de clientes, as cadeiras vazias onde se sentavam as galdérias noites e candeeiros a petróleo que a cidade rejeitava, ouvíamos um banco de jardim a passear junto à Torre de Belém, fumava cigarros de enrolar, tinha na cabeça um pano vermelho, e era alimentado por painéis lunares, e

Saltitava-lhe da voz

Todos Todas Adivinhos,

A rouquidão do prazer quando os mamilos da Cinderela, colorida com os lápis de cor da miúda, a filha da Rosalinda, chegava da escola, e poisava a mochila no pátio de gelo em frente ao pindérico jardim onde brincava um casebre empobrecido, de lata, e um olho em xisto, E

E

Saltitavam-lhe da voz as laranjas podres e os limões sem as palavras que tu

(Inventas no espelho, e no caixilho onde dorme o espelho, inventas no prego, onde penduras o espelho, e na parede, inventada por ti, inventas na sombra que escurece no espelho, onde te olhas, onde fumas, no cigarro inventado, pela secura do silêncio agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor da tua pele perfumada, na água inventada, inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se nos sossegados momentos de literatura dentro da esplanada vestida como as roupas por ti, inventadas

Todos Todas Adivinhos).

 

In “Noites de mim”

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:10

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