Esconde-te, depressa, esconde-te depressa,
Eu escondia-me entre os arbustos da tarde, cerrava os cortinados das nuvens e poisava a cabeça junto à relva,
Entre mim e a lua separava-nos uma mangueira esquelética, e ao fundo do quintal as pombas às bicadas aos grãozinhos de areia do Mussulo,
Queres ir ver o mar?
E eu pendurado nos calções pregava os olhos nas ondas alicerçadas ao cansaço do musseque, o zinco refletia milhões de cores, e no meu cabelo as gaivotas que descansavam quando se aproximava a chuva miudinha e da terra brotavam rosas e capim e meninos abraçados a triciclos,
Esconde-te, depressa, esconde-te depressa,
Queres ir ver o mar?
E o mar tinha medo de mim e fincava as mãos no pescoço da minha mãe, e o mar atravessava o meu corpo e suspendia-se nos cigarros do meu pai, eu poisava o queixo no ferro emagrecido que separava as bancadas do campo dos Coqueiros e não percebia porque corriam homem com coisinhas de madeira aparafusadas às mãos de cimento na peugada de uma bola embrulhada no cacimbo,
Vamos assistir aos treinos de hóquei em patins dizia-me o meu pai antes de sairmos de casa, Esconde-te, depressa, esconde-te depressa, Queres ir ver o mar?
E eu pensava que o mar não tinha fim, e acreditava que os aviões que voavam sobre a minha casa chegavam ao destino muito cansados porque durante a noites ouvia-lhes a tosse e sentia-lhes nas mãos uma fragância de girassol,
Sorrisos de papagaios de papel e um cordel prendia-o ao portão enferrujado,
E o mar tinha fim, o mar terminava no terminal de cruzeiros da rocha Conde de Óbidos,
Esconde-te, depressa, esconde-te depressa,
Queres ir ver o mar?
E eu escondia-me entre as sombras de setembro de 1971, as rua de Lisboa infestadas de carrinhos de brincar puxados por condutores preguiçosos e um machimbombo quendo passava à minha frente acenava-me, e eu, eu escondia-me nos arbustos da tarde, cerrava os cortinados da tarde e começava a chorar…
(texto de ficção)