Chove dentro de mim
O silêncio da madrugada,
Habito este corpo de porcelana queimada,
Como os pássaros do meu quintal ao entardecer…
Ardem,
Fogem da minha mão até se esconderem no infinito,
O deserto regressa numa jangada em pedra polida…
Triste,
Cansada,
Triste,
Amordaçada,
Chove dentro de mim
O silêncio da madrugada,
E das noites embriagadas,
Oiço o teu ventre sorrir na alvorada,
Uma lágrima de sono,
Não é nada,
Apenas o reflexo das palavras em suicídio
Que alimentam o poema da desgraça,
Tudo é triste,
E tudo morre numa tábua triturada pela solidão,
Que não resiste,
E assiste…
Ao complexo rio da saudade,
Faço-me à estrada,
Levanto as amarras deste porto nocturno do desgosto
Que trago sobre os ombros,
Vivo na cidade cansada,
Vivo na rua das esplanadas de vidro
Que a morte inventa na minha voz,
Este sítio vadio que não vem nos livros,
Este cansaço de pedra que tritura o pequeno-almoço ao acordar,
Triste,
Cansada,
Amordaçada… esta barcaça em delírio,
Este simples rio
Que traz nos lábios o frio,
A ardósia do desassossego na ponta dos dedos,
A mão alicerçada no medo encapuçado pelo destino,
Morro,
Vivo,
E sinto… e sinto a explosão do sofrimento
Sobre os rochedos dos tristes milagres enjoados…
Este cansaço,
Meu amigo,
Este cansaço meu amigo que me atormenta dia e noite…
Sem que eu saiba
Que chove dentro de mim
O silêncio da madrugada,
Stop.
Amanhã será outro dia nas páginas da desgraça…
Francisco Luís Fontinha
28/02/17