No corredor aglomerados de aço
Cadáveres de barcos
Braços
Sombras de amor embalsamadas
Passeando na réstia manhã adormecida
Lá fora o mar entranhado nas ervas esquecidas pelo Criador
Chove
Há nas quatro paredes invisíveis
Gotículas de uma lágrima sem nome
Só
Em direcção ao infinito
Os gemidos
A fome disfarçada de noite
Lá fora o mar
Pintado no térreo pavimento da dor
Não há palavras
Poemas
Textos
Nada
Nada
No corredor
Aglomerados
Aço
Enferrujado
Velho
Sem saber a que cidade pertence
A idade
A idade em corrida
Tropeça na Calçada
Dorme
Acorda
E finge…
Finge não ter medo da madrugada.
Francisco Luís Fontinha
Imagino os teus olhos lacrimejantes nas paisagens do Congo,
Transportavas no corpo as serigrafias do sono…
Que apenas um rio te separava da inocência,
Tinhas na algibeira os cigarros e a fotografia da tua mãe…
Inventavas poemas com palavras esquecidas no capim,
Que o cacimbo apergaminhava na aventura da escuridão,
Lá longe ficava a barcaça imaginária de um dançarino obsoleto,
Sentavas-te nas montanhas da tristeza e rezavas,
Rezavas pela melancolia dos destinos transparentes do olhar de uma serpente,
E nunca percebeste que eu um dia eu te recordaria como um sonâmbulo obscuro,
Que transporta os alicerces de uma cidade em pó…
E em pó te transformaste.
Francisco Luís Fontinha
19/03/17
Um beijo que o silêncio madrugada
Afaga na escuridão da ausência,
As silabas estonteantes do sono
Que adormecem nas velhas esplanadas junto aos rochedos,
Vive-se acreditando na miséria do sonho
Quando lá fora, uma árvore se despede da manhã,
Um beijo simples,
Simplificado livro na mão de uma criança,
Um beijo,
No desejo,
Sempre que a alvorada se aprisiona às metáforas da paixão,
Sinto,
Sinto este peso obscuro no meu coração,
Sinto o alimento supérfluo da memória
Quando as ardósias do amanhecer acordam junto ao rio…
E na fogueira,
Debaixo das mangueiras…
Os teus lábios me acorrentam ao cacimbo,
Sou um esqueleto tríptico,
Um ausente sem memória nas montanhas do adeus,
Um beijo que o silêncio madrugada
Afaga na escuridão da ausência,
A uniformidade das palavras
Que escrevo na tua boca,
Sempre que nasce o sol
Sempre que acordam as nuvens dos teus seios…
E um barco se afunda nas tuas coxas,
Oiço o mar,
Oiço os teus gemidos na noite de Lisboa…
Sem perceber que és construída em papel navegante…
Que embrulham os livros da aflição,
Um beijo, meu amor,
Um beijo em silêncio
Galgando os socalcos da insónia…
Vivo,
Vive-se…
Encostado a uma parede de vidro
Como leguminosas no prato do cárcere…
Alimento desperdiçado por mim.
Desamo.
Fujo.
Alcanço o inalcançado…
E morro.
Francisco Luís Fontinha
18/03/17
Saboreei a paixão convexa do desejo
Percorri os caminhos esconderijos do sofrimento
Como os livros que escrevi
E os que não quero escrever…
Saltei a ponte do esquecimento
Num voo frenético nunca antes alcançado
Em direcção ao mar
Em direcção ao abismo
Senti no corpo o peso do amanhecer
Senti nas mãos a enxada da vergonha
Descendo socalcos
Saltando montanhas desenhadas…
E as palavras
As palavras do sono inventando pálpebras de xisto
Como se inventam os rios
Quando cai a noite sobre a escuridão.
Francisco Luís Fontinha
16/03/17
Há sempre uma porta encerrada
Nos fragosos lábios da madrugada
Uma canção desesperada
Ou um poema envenenado pela alvorada…
Sinto o peso do corpo nas lápides do xisto amanhecer
Que uma enxada revoltada consegue levantar
E nas palavras ficam o ser
O ser amaldiçoado do mar
E o amar?
Uma jangada que levita sobre as montanhas de brincar
E só uma criança sabe desenhar
Sobre a fina areia do sonho despertar
Depois o sono que aparece na janela do sofrimento
Como palmadinhas secretas de vento
Contra o meu olhar desonesto e profano
Há sempre uma porta encerrada
Ou um veneno…
Há sempre nos fragosos lábios de incenso
Uma porcelana palavra em lágrimas
Que morrem no livro sagrado
Amado
Desamado…
Alimento-me do teu sorriso leviano
Que numa qualquer página de jornal adormece
E esquece
O significado alterno do amor secreto…
O dia que não morre mais nas minhas mãos de silício
E do silêncio o suicídio anunciado
Uma faca apontada à minha sombra enfeitada de farrapos
Trapos
E velharias tantas… que esqueço o lençol do luar
Nas avenidas nuas desta cidade endiabrada.
Francisco Luís Fontinha
12/03/17