Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

26
Nov 17

Nas palavras, o silêncio.

Da noite camuflada pelos Oceanos perdidos, os pindéricos sorrisos da alma,

Os esqueletos de luz que vagueiam na triste Avenida, sem palavras, a distância dos osos na escuridão do mar,

Recordo o teu olhar de pálpebras silenciadas pelo vento. Os rochedos onde me deito.

A madrugada. Acordar em ti os sonhos de ontem, a difícil caminhada em direcção ao mar, dois corpos saturados da neblina, dois corpos misturados nas ínfimas luzes da cidade. Não durmo. Finjo brincar numa praia em papel, desenhada por uma criança, triste, como as estátuas de sal,

Os meus dedos na tua boca, quando libertas os livros aprisionados pelo tempo, liberta-te também de mim; desacorrenta-te, e desiste de lutar.

Amanhã lá estarei, desintegrado nas salas exíguas dos mortos jardins, pequenas árvores, pequenos arbustos no teu peito, esperando o veneno, escondo-me.

Nas palavras, o silêncio.

A solidão da manhã quando trazes nas mãos a chuva miudinha, pesadíssima, e, travestida de soldado, brinco em ti, comigo sentado numa pedra adormecida, à deriva na rua deserta da tua sombra…

Palavras, nas palavras, o silêncio, o prateado desassossego que a vida constrói no amanhecer, como os poemas, entre morto e mortos; o fim.

Ai que a vida parece um círculo, cada vez mais longínquo da cidade,

Como todos os sons da tarde, ao cair a noite,

Os sonhos, vagueiam no teu solstício medo de me deixar junto ao rio,

Felizes, aqueles que acreditam em Deus…

Porque os que não acreditam, morrem, e nunca compreenderão o silêncio.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 26 de Novembro de 2017

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:47

25
Nov 17

Entre quatro paredes, tenho o meu esqueleto de granito infestado de lágrimas, e, quando o meu pobre relógio acorda, todas as noites, fujo para as sombreadas ruas da Avenida, pinto as árvores no meu olhar, semeio na lapela as frágeis sementes da morte, sempre que o vento regressa do mar,

A janela do sofrimento rasgada na penumbra madrugada, o silêncio das acácias misturado com os soníferos orgasmos de prata, e esta terra me alimenta das esmolas não recebidas, tenho medo, medo de perder-te no infinito amanhecer, porque nas tuas mãos habitam as flores da despedida, lamento, fico cansado de olhar-te no espelho caduco do meu quatro, e, os livros empilhados junto à madrugada, lamento, que todas as tardes sejam em pedaços de sofrimento, como as jangadas dos pilares de areia da tua voz,

Entre quatro paredes, de vidro, o silêncio amanha, dorme… e morre na alvorada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25 de Novembro de 2017

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:34

23
Nov 17

Tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio, alguns caixotes desaromados, alguma roupa e um sonho, acreditávamos no amanhecer junto à geada, a esfera do caos esbranquiçada poisada na nossa mão, eu era uma criança mimada, filho único, Africano de nascença, apátrida e desapontado pelas raízes do poder, tinha medo, meu pai, tinha medo da tua terra…

E sem o perceber

Assim temos mais prazer, penso nos teus seios, imagino os teus broches literários sobre a velha secretária em madeira, gemes, ouvem-se os gonzos da solidão salitrarem sobre a cancela da noite,

E que noite, meu amor, e que noite,

E sem o perceber acordei junto a um dos caixotes, sentia o vento do mar a entranhar-se nos meus frágeis ossos, chorava, gritava… nem um mabeco em meu auxílio,

E sem o perceber, tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio, e soníferos beijos, lembras-te, meu amor, o cheiro intenso da madeira envelhecida e triste, os pregos enferrujados de tédio, e algumas frestas de solidão, ninguém, ninguém imagina este concerto de sons melódicos e metálicos do sofrimento, a morte, a ressurreição e a alvorada,

A tristeza de não saber quem és…

 

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:40

19
Nov 17

A noite começa a perder-se nas tuas mãos, entre montanhas sinto os teus lábios emagrecidos pela solidão, adormecidos, tristes… perdidos, abençoadas estrelas que me iluminam sem qualquer tipo de perdão, uma carta não escrita, algumas palavras semeadas no teu olhar, quando lá longe, oiço o assassino do mar, mãos ensanguentadas, lágrimas disparadas pela espingarda do sono,

Um canhão evapora-se debaixo do luar, escrevo-te para me sentir feliz, invento-te para me sentir livre, rebelde e desemparado nas ruelas nocturnas do cansaço, oiço-os

Vomitam insónias, dormem no desassossego dos pássaros envenenados pelos teus lábios, os livros sofrem, os livros morrem ao nascer do Sol, e tenho no corpo um solstício amedrontado, oiço-os

Marcham Calçada abaixo, rumam aos bares não iluminados, estátuas de sombra sentadas numa esplanada, debaixo, em cima, e, no entanto, sou um soldado desgraçado, moribundo, procurando barcos nas tuas pálpebras…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19 de Novembro de 2017

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:36

18
Nov 17

Poesia...

Hoje centenas de iões dentro de um quarto escuro, sem janelas, sem porta

Cadeia?

A cárcere, da palavra, sem porta, sem.… vida, mesmo assim sou feliz naquele local, chamar-lhe-ás... cemitério, jazigo, mas não, meu amor, a cárcere da palavra, como?

A cárcere, da palavra, ou, A cárcere da palavra?

Narcisos, viajantes bagagem, imponderáveis poetas, nos beijos, nas bocas sideradas pela saliva, em pequeno, ele, imaginava a escola um grande navio, o porão

Tão fundo, mãe,

Meu amor, as palavras cinza das minhas mãos, ter-te e não te ter, nos meus braços, as imagens a preto-e-branco dos teus olhos, existes?

Tão fundo, mãe...

A paixão e o amor, o centeio correndo em redor do pôr-do-sol, e ele

Coitado, imaginar uma escola um grande barco...

Louco, e ele, mãe, dizia-me que os sonhos são desenhos de um qualquer pintor em desespero, a renda de casa, luz, pouco mais do que isso

Pobres homens e mulheres...!

Tão fundo, mãe... a paixão e o amor, o centeio correndo em redor do pôr-do-sol, e ele... e ele embrulhado em sonhos, sonhos, mãe...

As três ciganas do deserto, os homens buscam a sina do silêncio, imaginam-se uma criança de prata, frágil, brincando nas palavras rochosas da poesia, João perde-se nas cartas,

O jogo,

A mentira

Fugir para outros continentes, outras galáxias... os homens, apaixonados pelos berros, da menopausa, o sal brincando nas encostas do abutre negro, sobre ela o beijo desenhado na areia, colorido, embrulhava-a numa estrofe envergonhada, levava-a para as cabanas dos sonhos adormecidos, cerrou os olhos

Foi bom, amor,

Só?

As pálpebras de solidão gritando pela liberdade, amanhã vou recomeçar a viver, a sonhar, a.… a escrever nos teus olhos,

Como são os teus olhos, meu amor!

Perdi-me,

Só?

Deus, cambaleando pelas ruas do sofrimento, olha-me e pergunta-me

Meu filho!

Sim, pai...

O corpo, meu filho, o corpo...

Três ciganas abraçadas à ardósia da tarde, os homens, conversas, e...

Palavras...

E, sim pai, não percebo as tuas palavras e não percebo os teus poemas,

Desculpa-me.… meu filho,

Palavras...

Só?

O falso rico esquecido no asilo do dinheiro, porque incha o corpo do rico e míngua o corpo do pobre?

As palavras,

Só. eu?

E.…, e sim, o cemitério engasgado nos ossos de António, o meu melhor amigo, companheiro, e.… e nem me avisou que ia viajar, de veleiro ao ombro, meia dúzia de bicuatas... e nunca

A fome dentro de um subscrito, lembrava-se das tardes de infância inventando barcos em esferovite e sonhos, ele

As palavras?

Ele sorria, percebia-se no seu rosto o esqueleto e a alma da alegria, e, no entanto, morreu...

E nunca, e nunca mais conversou comigo...

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:15

15
Nov 17

Partiram, levaram o miúdo dos calões e o caixote em madeira,

Alguns tarecos, pouca coisa e fotocópias de fotografias envenenadas pelo silêncio, na algibeira, o amor, o desejo do mar, dos barcos e das coisas

Simples?

Os livros,

E das coisas sem nome,

Sombras de mangueira?

E beijos, das coisas travestidas de saudade, dos livros lidos nas entranhas do desejo, caminhávamos entre quatro círculos de luz, abraçavas-me como se abraçam os pássaros, as acácias e os pindéricos cabelos de nata,

Amanhã amo-te...

Partiram, fugiram das noites embriagadas com direito a limonada e a sexo, construíram cubatas nos musseques da alegria, saltaram muros e muros, tinha medo das curvas da vida, adivinhava os beijos como sendo abelhas em flor, sobre as casas sem nome, idade, e

Sexo?

Só depois das seis,

E sonhos, de um dia regressar...

Regressar, mãe?

O texto escreve-se no teu corpo, a partida pertence ao passado, triste, tão triste como fazer amor num vão de escada,

Os gemidos,

Os silêncios mergulhados na algibeira do cansaço, amanhã saberei se me pertences, maldito caixote em madeira,

Alguns tarecos, meia dúzia de fotocópias de fotografias,

O mar, mãe?

O mar.… morreu,

Como morrem todas as coisas belas,

Sinto-me um caixote em madeira, um socalco em lágrimas descendo até ao Douro, uma eira, imaginada em Carvalhais – S. Pedro do Sul, sinto-me a noite vestida de negro, abraçada aos meus sonhos, sem poder mais,

Amanhã, meu amor!

O circo, os palhaços narcisados nas palavras escritas pelo fantasma do silêncio, a minha vida uma “merda” comparada com a vida dos meus vizinhos, hoje sonhei que a pobreza tinha morrido... como se a pobreza tenha morte... este momento embriagado em poemas de amor,

Poder mais...

Os sorrisos, a mentira do soneto sobre os ombros vergados de uma enxada, o cristal opaco que sobressai nas fotografias de infância, a dor, e a doença

Sinto-me

E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,

Sinto-me.… um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,

Um café Doutor?

Café...

Faltam-me os cigarros...

E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,

Sinto-me.… um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,

Faltam-me as tuas mãos, mãe,

Café?

Viajo na tua saia e percebo que não temos regresso, regressar é um suicídio sem palavras, uma carta escrita, os motivos da tua ausência, as faltas da tua presença na Igreja, sinto-me quando abres a janela do quarto e tenho a certeza que estou vivo,

Bom dia, mãe...

Meu querido filho!

O livro cresce nas ardósias cinzentas da memória,

Que és enigmático, meu filho...

Que sim, minha mãe,

Que sim,

Telefonaram da Rua dos Mendigos?

Para mim, mãe?

A cidade embriagada nas sandálias do pescador, o mar, sempre o apaixonado mar, a paixão azul, do azul literário e poético..., sabes com é, mãe,

Pois,

Sei que sempre sonhaste comigo,

Eu?

Sim, tu, mãe,

Quando dizias que aos três anos de idade já voava...

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:39

12
Nov 17

Acusais-me de tudo e de nada.

Acusais-me da chuva e do sol,

Das províncias desgovernadas,

Dos socalcos inanimados,

Tristes…

Cansados.

 

Acusais-me do cansaço,

De ser o menino dos papagaios

E das estrelas em sombreados tentáculos,

Acusais-me de o mar não regressar…

 

E de matar.

Acusais-me do eterno ventrículo agachado no musseque,

Das palmeiras envenenadas pelo silêncio,

Acusais-me das palavras gastas,

Tontas,

Nas paredes da solidão.

 

Acusais-me de tudo e de nada.

Acusais-me do medo,

Da morte em segredo,

Acusais-me do sofrimento

Nas montanhas solidificas dos livros

E dos momentos passados na escuridão de um velho bar.

 

Acusais-me da dor,

Das metástases ensanguentadas de um corpo em delírio…

Acusais-me de nada,

De tudo,

Até da triste madrugada…

Que a sombra alimenta.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12 de Novembro de 2017

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:48

Meu amor, hoje pertenço-te, absorves-me, alimentas-te das minhas palavras esquecidas num qualquer engate, é tarde, meu amor, a noite rebenta no meu peito, sinto o peso das estrelas nas minhas pálpebras inacabadas, o pintor adormeceu sobre o seu próprio corpo, é inerte, invisível na paleta das cores diluídas na alma, a morte, meu querido, o fantasma clandestino do abismo descendo a Calçada, e ao fundo

- O rio reflectido nos teus lábios, meu amor, a vaidade da folha de papel esquecida sobre a pobre secretária de pinho, o caruncho, a ferrugem das ardósias iluminando a noite,

E ao fundo, os barcos adolescentes brincando na sonolência da inocência,

- Tenho medo, meu amor, alicerças-te ao meu cansaço, o Francisco partiu hoje para o desconhecido, sabes, meu amor, gostava dele, amava-o… e amo-o, e tenho medo, meu amor, dos pássaros que voam, das flores que choram, das abelhas que incendeiam a manhã dos silêncios de Oiro, sabes, meu amor, tenho medo

- De ti, de mim, de estar vivo inventando a vida em quadriculados poemas, mais nada, meu amor, mais nada, apenas o medo, a alegria de amar-te, sem saber que o amor habita neste caixão de enxofre,

Oxalá

- As portas, os tristes alicates da escuridão vestidos de mendicidade, a tua boca na minha, o beijo, a orgia matinal da poesia, gemes

Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii,

E nada quer de mim o que tu desejas…

Tudo está perdido, o túnel da escuridão é absorvido pelo sofrimento dos ossos em pó, há uma janela no teu olhar, um solstício fictício das madrugadas dos outros,

- Os homens entre quanto paredes de nada, cinco fios de tristeza, e

Tudo,

Tudo parece desabar sobre a minha sombra, sou aniquilado pelos beijos da madrugada, não sofro, não sei sofrer ou chorar,

Tudo,

- Os homens escondidos dentro do cubo da incerteza, a luz, e a beleza, os homens acorrentados aos sonhos,

- Tudo?

Não o sei, tudo está perdido, os panfletos do sofrimento, ardem nos teus alegres momentos na Baía de Luanda, ontem eramos felizes, e hoje

Os homens, mergulhados nas arcadas da morte, vestidos de pigmeus assalariados, o trabalho, o sonho

Tudo?

Perdeu-se,

Hoje,

Como se perdem todas as gaivotas do Tejo, entre petroleiros e amores clandestinos, ela ama-o…

Ele…

Ama-a em segredo,

As viagens, o medo, o medo de perder, e de ser perdido,

Ele…

Chora, suspende-se nos lábios sem sorriso, sem cor, mortos e abstractos, sem perceberem que dentro de um livro habita a prostituta da desilusão, a tristeza,

- Tudo e todos?

Assim temos mais prazer, penso nos teus seios, imagino os teus broches literários sobre a velha secretária em madeira, gemes, ouvem-se os gonzos da solidão salitrarem sobre a cancela da noite,

Oiço-te, minha querida, nas campânulas do sonambulismo organizado, a saliva da tarde no púbis do teu silêncio de abelha amestrada, os teus lábios masturbados nos meus, a loucura, o desejo, os cigarros em delírio… quando na lareira dormem algumas páginas do meu livro,

És indiferente à minha escrita, cagas nas minha palavras… minha querida, e confesso-te que também eu cago para as minhas palavras, é sábado, estás triste pela minha ausência, na TV porcarias embalsamadas, tristes, porcarias,

Do meu livro, o teu corpo está lá, acreditas, minha querida?

Todo ele, invisível sofrimento nas mandibulas do primeiro beijo

Amo-te

Do primeiro beijo, a fotografia aprisionada num velho álbum de fotografias, “um sorriso… olha o passarinho… já esta”, e eu parecendo um panasca com pulseira em oiro e pose de fantasma, sorria, tinha na boca o amargo beijo das clandestinas sanzalas de estanho, o zinco dormitava debaixo do sol, porra… isto é “fodido” … como é “fodido” amar-te em silêncio, como quadriculadas noites num velho caderno, as argolas tortas, todas, elas

“Amo-te seu cretino, candeeiro da noite, abstracto insecto dos charcos em flor, adeus, amanhã sacio-me em ti, elas

“Assim temos mais prazer, penso nos teus seios, imagino os teus broches literários sobre a velha secretária em madeira, gemes, ouvem-se os gonzos da solidão salitrarem sobre a cancela da noite”,

Elas agachadas junto aos semáforos do amor travestido de Ceia de Natal,

Odeio-o, odeio-a…

É sábado, não tenho ninguém, adormecem junto a mim livros, cachimbos e papeis, tenho medo, minha querida, tenho medo

O estranho vizinho de caneta na mão, adormecia todas as matrículas dos automóveis estacionados junto à porta de entrada, louco, louca,

Amar-te sem o saber

Odeio-a,

E sem o perceber…

Tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio, alguns caixotes desaromados, alguma roupa e um sonho, acreditávamos no amanhecer junto à geada, a esfera do caos esbranquiçada poisada na nossa mão, eu era uma criança mimada, filho único, Africano de nascença, apátrida e desapontado pelas raízes do poder, tinha medo, meu pai, tinha medo da tua terra…

E sem o perceber

Assim temos mais prazer, penso nos teus seios, imagino os teus broches literários sobre a velha secretária em madeira, gemes, ouvem-se os gonzos da solidão salitrarem sobre a cancela da noite,

E que noite, meu amor, e que noite,

E sem o perceber acordei junto a um dos caixotes, sentia o vento do mar a entranhar-se nos meus frágeis ossos, chorava, gritava… nem um mabeco em meu auxílio,

E sem o perceber, tínhamos uma nuvem de silêncio no nosso quarto, andorinhas e algumas bugigangas trazidas do outro lado do rio, e soníferos beijos, lembras-te, meu amor, o cheiro intenso da madeira envelhecida e triste, os pregos enferrujados de tédio, e algumas frestas de solidão, ninguém, ninguém imagina este concerto de sons melódicos e metálicos do sofrimento, a morte, a ressurreição e a alvorada,

A tristeza de não saber quem és…

O inferno estava próximo, do corredor entranhava-se no meu corpo o cheiro a enxofre e a gajas nuas,

Menos tabaco nesses cigarros…, gajas no inferno?

E canteiros recheados de malmequeres, crisântemos e orquídeas selvagens, imperfeito, o vidro estilhaçava-se, ficou sem cabeça, ficou sem coração, e ficou com o medo misturado nos óbitos grãos de areia, ainda hoje acredito que um objecto depois de crucificado… permaneça o mesmo objecto, mas com formas e cheiros e desenhos…

Menos tabaco, amigo, menos tabaco,

Diferentes, tornam-se ausentes, tornam-se miúdos brincando no musseque, os charcos, o capim descendo a rabina, o miúdo do bibe acreditava na liberdade, e é tão difícil ser-se livre nesse País, tão difícil meu pai, tu sabes

Menos tabaco, menos,

Tu sabes que vivi encerrado entre quatro paredes invisíveis, tu sabes que vivi entre três janelas sem vista para o mar, mas sentia-o no meu quarto,

Lembras-te, filho? Os Domingos junto ao Porto e os barcos pareciam cancelas suspensas na madrugada, lembras-te, filho? Os Coqueiros, as gaivotas comendo os Coqueiros, e tudo apenas imagens a preto e branco do meu imaginário, porque, meu filho

Sim, pai?

Lembras-te do Mussulo?

Sim, pai, sim… a areia recheada de lençóis brancos, a poeira do cansaço vomitando languidas lâminas de azoto, e depois, e depois regressava a noite, dormias, sonhavas, gritavas… e eu, eu sem dormir, comer,

Ao longe, meu amigo, ao longe o inferno, as gajas, as nuas gajas junto à porta do inferno,

Louco, menos tabaco nesses cigarros, menos,

Ao longe a agonia do fim de tarde agachado em cima de um telhado em zinco abraçado a um livro, não sabia ler ainda, mas lia-o, absorvia-o, como hoje o faço, e não sabia ler ainda,

E tu, pai, e tu emprestavas-me os teus livros, e eu, eu dilacerava-me com o cheiro do papel, com as letras, com as imagens, com as tuas palavras “estes livros não são para a tua idade” como se houvesse idade para se manusear e cheirar e “foder” um livro… vigava-me, riscava-os, tal como as paredes do corredor, riscos, riscos, um livro entre gemidos, um livro em pleno orgasmo… Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii…

Desaparecem todas as palavras, o inferno estava próximo, do corredor entranhava-se no meu corpo o cheiro a enxofre e a gajas nuas, pensei (estou em cais do Sodré) não, não estava, nunca lá estive e nego-o, absolutamente,

Menos tabacos nesses cigarros, menos

Aproximava-me, lentamente a minha verticalidade diminuía, sentia-me um miúdo de bibe gritando, berrando, “fodendo” livros com uma caneta de tinta permanente, e nada, até hoje, nada, morreu ele, morri eu, morremos todos,

Os homens, os meus e os teus, quadriculados beijos entre equações de amor…

Só queria ter uma cabana no cimo do monte, uma mulher que falasse Russo e uma montanha embalsamada no meu corpo, a aventura, o silêncio na procura do abismo, o Natal, prendas, e que se “fodam” as prendas,

E o Natal!

Sabíamos que amanhã não haveria saudade, sabíamos que amanhã não gaivotas poisadas no Tejo, estou muito doente

E o Natal?

Tive um amigo que morreu de silêncio,

Paz à sua alma,

Tive um amigo que se cansou da melancolia dos dias, das noites, das noites sem noites depois das noites, vivia acorrentado a uma árvore, eu, acreditava na inocência dos seus lábios, encardidos pelo temporal, desgastos pela insignificante margem do rio onde brincavam gaivotas e marinheiros, e sucata de mim

Ontem fui a um bar em Cais do Sodré, sentei-me, viajei até mil novecentos e oitenta e sete, era dia, corríamos embriagados em direcção ao medo, havia conquilhas e cerveja à mistura, como sempre, este amigo, embriagado pelas minhas palavras,

Amo-te, dizia ele, quando percebia que a escuridão se entranhava nos meus ossos de veludo, que eu, semeado na seara do vento, tinha medo, sentia a solidão sobre o meu peito, havia noites de tortura, havia noites de desequilíbrio mental, a loucura, o Tejo no meu quintal,

E sucata de mim,

Que boiava nos teus cabelos, meu amor, e sucata de mim espalhada pelos sítios mais incógnitos da nossa casa, um palheiro, simples, e felizes, assim,

Acorrentado, tu, meu amor, nesta cidade de Cais sem destino, de barcos sem comandantes, ou cordas de nylon invisíveis, e mesmo assim, recordo-te, amar-te talvez, um dia, amanhã, depois de amanhã… ou ligo, talvez, talvez meu amor,

No meu quintal,

Uma sanduiche de sódio baloiçava nas minhas veias, sentia a morte, o fim, a despedida, não faz mal, meu amor, amanhã, talvez, no meu quintal, eu, em Cais do Sodré, abraçado a ti, sem ninguém, amanhã

Tive um amigo que morreu de silêncio, frequentava a minha poesia, uns dias aparecia outros…

Amanhã, não saberei se tu,

Outros… uma cancela de vidro,

Se tu me amas, se tu, se tu me recordas como recordas as tristes alvoradas em frente ao Tejo,

Outros, e mais outros, não sabiam que o amor é um cubo de chocolate, só, triste e só, como eu

Tejo?

Outros…

Amanhã, não saberei se tu,

Outros… uma cancela de vidro, um comboio em aço desgovernado subindo a Calçada da Ajuda, e

Ajuda nenhuma, sempre só, meu amor, sempre, sempre só nos teus braços, nos teus fantasmas, nas tuas coxas de silício mergulhadas na corrente eléctrica do sofrimento, Tejo?

Talvez, meu amor, talvez…

Tive um amigo.

Tenho a “Tara mais pesada que o Peso Bruto”, isso é grave, Doutor? Que sim, que nunca mais vou ver o Rio nem as montanhas nem as prendas, nem…

O Natal?

Quero lá saber dele, nunca goitei dele, prendas, e que se “fodam” as prendas, e todos os dias vinte e cinco de cada mês… estou muito doente, tenho a “Tara mais pesada que o Peso Bruto”, gravíssimo meu Caro, gravíssimo meu Caro, pronto, estou “fodido” a caminho dos cinquenta tudo aparece, é o Natal, é a Tara, é a porra da idade, e nem o Caracol me consegue valer, sobe, sobe… e puf… parede abaixo, capotou mesmo em cima da mulher que sabia falar Russo, tristeza, a Tara… e eu só queria ter uma cabana no cimo do monte, uma mulher que falasse Russo e uma montanha embalsamada no meu corpo, a aventura, o silêncio na procura do abismo, o Natal, prendas, e que se “fodam” as prendas, prendas,

Tínhamos prometido separarmo-nos naquela noite, inventamos partes da Teoria de Einstein para recordarmos o que era impossível de recordar, a separação, o fim, e o adeus

Ontem recebi carta dela, está tudo bem, os arrozais ainda dormem, os coqueiros soluçam entre os finos cortinados de tristeza e a claridade do fim de tarde,

Adeus, ontem recebi, a carta vinha amarrotada, cansada, e embalsamada como as rosas no interior de um livro, o parvalhão de um livro,

Se algum dia eu abraçava uma rosa embalsamada…

De um livro, muitos anos, Einstein para recordarmos o que era impossível de recordar, a separação, o fim, e o adeus das gaivotas a cada encerrar de uma janela que só a dor consegue fazer sobreviver,

Tínhamos,

Inventamos o amor “transtemporal” os catetos, a hipotenusa, a verruga, o cinzeiro a abarrotar de conversas sem nexo, nunca tive um sonho, morri sempre na praia, nunca, se algum dia eu abraçava uma rosa embalsamada…, nem eu, ouvia-a

Tínhamos, não sonhos, não sorrisos, não beijos, nem um simples calendário suspenso na cozinha, nunca sabíamos a quanto andávamos, se era terça-feira, sexta-feira… tanto faz, ouvia-a, irritava-me com a sua ausência, mas sempre que podia

Partia, levava todas as roupas e todos os livros, até as velhas cartas transportava na bagageira, e nunca me disse adeus,

Amanhã,

Me disse adeus, até amanhã, amo-te, nada, nada

Como hoje

Nada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 13:35

11
Nov 17

Os silêncios mergulhados na algibeira do cansaço, amanhã saberei se me pertences, maldito caixote em madeira,

Alguns tarecos, meia dúzia de fotocópias de fotografias,

O mar, mãe?

O mar.… morreu,

Como morrem todas as coisas belas,

Sinto-me um caixote em madeira, um socalco em lágrimas descendo até ao Douro, uma eira, imaginada em Carvalhais – S. Pedro do Sul, sinto-me a noite vestida de negro, abraçada aos meus sonhos, sem poder mais,

Amanhã, meu amor!

O circo, os palhaços narcisados nas palavras escritas pelo fantasma do silêncio, a minha vida uma “merda” comparada com a vida dos meus vizinhos, hoje sonhei que a pobreza tinha morrido... como se a pobreza tenha morte... este momento embriagado em poemas de amor,

Poder mais...

Os sorrisos, a mentira do soneto sobre os ombros vergados de uma enxada, o cristal opaco que sobressai nas fotografias de infância, a dor, e a doença

Sinto-me

E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,

Sinto-me.… um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,

Um café Doutor?

Café...

Faltam-me os cigarros...

E a doença sifilítica nos dedos do artista, adormece a tela, o poema e a musa do poeta,

Sinto-me.… um suicidado cadáver de esperma, um transeunte canalha com suspensórios e gravata, e sapatos de ponta delgada,

Faltam-me as tuas mãos, mãe,

Café?

Viajo na tua saia e percebo que não temos regresso, regressar é um suicídio sem palavras, uma carta escrita, os motivos da tua ausência, as faltas da tua presença na Igreja, sinto-me quando abres a janela do quarto e tenho a certeza que estou vivo,

Bom dia, mãe...

Meu querido filho!

O livro cresce nas ardósias cinzentas da memória,

Que és enigmático, meu filho...

Que sim, minha mãe,

Que sim,

Telefonaram da Rua dos Mendigos?

Para mim, mãe?

A cidade embriagada nas sandálias do pescador, o mar, sempre o apaixonado mar, a paixão azul, do azul literário e poético..., sabes com é, mãe,

Pois,

Sei que sempre sonhaste comigo,

Eu?

Sim, tu, mãe,

Quando dizias que aos três anos de idade já voava...

Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,

Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...

Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas,

Clandestino, eréctil nas disciplinas do abismo, o poema esfomeado esperando o amante suicidado,

amanhã, amanhã nascerá um cansaço de medo no afastamento dos círculos das cidades embriagadas,

Sem iluminação, sem mulheres ou bares para combater a distracção, uns panfletos expostos na parede xistosa,

Há Tripas,

O caixão dançava no centro da sala de estar,

Confesso,

Nunca tinha assistido à dança de um caixão...

Já imaginaram o dançar de um caixão?

Há tripas e...

Moelas,

A aldeia padece de claridade, existem fios de escuridão nos telhados cansados das palhotas de algodão,

Enigmático, eu?

Nunca tinha assistido à dança de um caixão...

Já imaginaram o dançar de um caixão?

Há tripas e...

Moelas,

E palavras sem coração, sentia-me embriagado nas mãos do amanhecer, sentia-me um miúdo encostado à sonolência da idade,

A aldeia em chamas, os campos esbranquiçados na tela do desejo imaginavam canções de moluscos e alguns grãos de areia,

O desenho teu na cidade dos alicerces alienados, os bares em combustão, as miúdas dançando canções de solidão,

Amas-me?

Que não,

Que a arte vive e vai morrer no teu olhar,

Ouves-me?

E palavras sem coração, avenidas nuas, travestidas de machimbombos reumáticos voando sobre a cidade, eu... eu... adormecia,

Inventava beijos nos teus braços, a minha primeira paixão, imaginava-te uma flor triste e cansada, nos circos ambulantes da saudade,

Os sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,

Quero ser artista, mãe!

Nem penses..., nem... penses...

Filho meu não é artista!

Nunca,

Nunca, mãe?

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:39

06
Nov 17

As minhas tulipas são anónimas.
Acordo ao som dos seus delas gemidos,
Entre parêntesis e pontos de interrogação,
A lapidação do meu corpo ao amanhecer,
O perfumado banho,
Antes de comer,
As minhas tulipas são ardósias.
Todas as palavras são assassinadas nas suas delas bocas,
Como se fossem nuvens esfomeadas,
Canibais canetas de tinta permanente,
Poisadas sobre a minha lápide invisível,
Todas as palavras me detestam,
Todas as palavras me agridem ao anoitecer,
Como correntes em aço que brincam na rua.
O espelho desfigurado,
Os lençóis emagrecidos pela geada,
O cansaço meu desperdiçado nas ombreiras do mar,
O sangue dorme. O meu corpo é uma jangada de vidro…
Perdido no cais da saudade,
Tenho medo das encostas da montanha,
Que assobiam a todos os minutos passados,
Que vão passar e todos aqueles que não passam,
Porque habito num apeadeiro selvagem,
Doente.
As minhas tulipas são anónimas…
E o meu jardim em papel amarrotado.



Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 16:58

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