Semeei o teu corpo numa jangada de vidro,
Vi partir o teu corpo em direcção ao mar,
Levavas os livros, levavas as memórias das noites perdidas,
E os sonhos vividos,
Semeei o teu corpo pensando que um dia adormecerias em mim…
E da tua partida,
Pela madrugada,
Algumas nuvens brincando na alvorada,
Palavras imensas, palavras dispersas em ti como um grito de alegria,
Hoje pertences às sombras do infinito,
Argamassadas no sombreado jardim de pedra,
E, no entanto, meia-hora depois, sentia o teu rosto na minha mão.
Ninguém apareceu à minha partida, fui só, apenas eu…
Como nas noites junto ao rio,
Perdidamente angustiado na solidão dos dias,
Escrevia no chão a revolta da doença,
Lançava lágrimas na escuridão,
Pobre, sem-abrigo, neste corredor de lume,
A lareira também ela, doente, infeliz e triste,
A cinza, o silêncio das fotografias, que poisavam no teu olhar.
As mãos trémulas, as mãos cansadas como pedras…
Fundeadas nos teus cabelos.
A noite, meu amor, a noite mergulhada na madrugada,
O metro entre curvas e pingos de luz, deixando a terra, caminhando para o horário nocturno das sanzalas de ninguém,
Em foco, as luzes que te incendeiam os lábios, em cada beijo,
Uma cansada palavra.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 4 de Fevereiro de 2018