Tinhas nas mãos os ossos enraivecidos da solidão,
Dos teus olhos desciam as palavras que eu escrevo no teu corpo; quando me escondo de ti na madrugada.
Tinhas nas mãos as sangrentas areias do deserto,
Poisavam livros nas tuas coxas, e do Luar regressava a nuvem da lamentação,
Uma lágrima chorada no teu rosto,
A alma desinquieta que atormenta os ventos nocturnos,
Como pequeníssimos papéis perdidos nos teus dedos.
Assim… ao deitar.
Sonhava com rugas, pedras e enxadas,
Rasgava a terra bolarenta dos segredos muros de xisto,
E, todas as manhãs, tinhas nas mãos a aurora neblina suspensa na janela do sonho.
Tinhas nas mãos a alavanca mecânica, o martelo e a minha dor…
Entre as penas dos melros brincando no meu jardim,
A sucata dos dias transformados em madrugada,
E os barcos, lá longe, vomitando âncoras de desassossego.
Perdi-me em ti, sabes?
Tinhas nas mãos a ânfora caminhada dos trilhos desenhados numa rocha,
Os santos em rebeldia nos altares das capelas,
O silêncio,
As pedras, os sargaços, e outras velharias…
Tinhas nas mãos o meu rosto…
E nunca percebi a claridade dos teus lábios.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 6 de Maio de 2018