As volúpias palavras descendo a calçada, junto ao rio, o mendigo assassina o último cigarro do dia, senta-se junto às escadas do prédio esquelético e com fome, uma brisa sobe até ele, e a vida parece-lhe contente com o aproximar da madrugada,
Todas as pedras à sua volta, choram,
Adormecem as acácias.
Choram com lágrimas de papel amarrotado que o merceeiro deitou no lixo, cobre-se, inventa o calor com lâmpadas de néon…
E dorme.
O néon embriagado pelo silêncio, os dias parecem-lhe horas tardias, doentes, com a mentira debaixo da língua,
E dorme,
As palavras dilaceradas, os livros incendiados pelo teu perfume, e tens no olhar a solidão das flores envenenadas,
E dorme, e dorme, o coração abandonado, por ti, por eles, pela melancolia do dia, e vê em todas as rochas, mesmo as mais pequenas, o sorriso do lobo.
Não estará o mendigo, louco?
E o poeta?
E se a loucura for a sanidade melódicas das palavras ditas?!
Dorme.
O sorriso do lobo, a alegria do mendigo por conversar com o lobo, pois, só este, e mais ninguém, consegue conversar com o mendigo…
É Domingo, dizem eles. Não o sei…
Não o sei, como desenhador de palavras, e, poucas, apenas sei que amanhã nos teus lábios vão acordar as amendoeiras em flores, todas, lindas, belas, elas,
E dorme.
Cansado da viagem.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 10/03/2019