Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

18
Set 11

Em criança perguntava de onde vinham os bebés,

Mãe, de onde vêm os bebés?, e a minha mãe respondia-me que os bebés vinham de Paris de França e que eram as cegonhas que os traziam,

De França, meu filho, os bebés vêm de França e são as cegonhas que os trazem,

Encolhia os ombros e voltava ao quintal, corria até ao portão de entrada, desprendia o cordel que suspendia o meu papagaio de papel e continuava a sonhar que um dia chegava à lua,

 

E muitos dias depois nunca lá cheguei, e o mais longe que consegui ir foi de Luanda a São Salvador assistir ao batizado dos meus primos gémeos, e a meio caminho o avião começou a soluçar e com vómitos e às curvas, e eu quando olhava pela janela via as casas e os carros e as pessoas em pequeníssimas dimensões, formigas pintadas de azul junto ao mar de luanda,

Olhava os meus primos gémeos e tentava compreender como era possível as cegonhas terem trazido aqueles dois seres arrepiantes e sempre de lágrimas nos olhos e de boca aberta,

Menino olha o primo Quim!

Menino olha o primo Paulo!

E o primo Fernando entretido na sua deficiência mental e que anos mais tarde descobri que tinha mais juízo do que eu,

E quando o avião se fez à pista de São Salvador juro que acreditei que ia embater no morro, estremeci, encolhi-me na cadeira e preso com cordéis a que chamavam de sinto de segurança aterro na cama onde os meus primos dormiam,

 

E as cegonhas não trazem os bebés,

 

E em cada final de ano regressa o natal, e em cada final de ano a minha ansiedade pela visita do pai natal, perguntava à minha mãe quem trazia os presentes,

Mãe, quem traz os presentes?

E ela respondia-me que era o pai natal,

O pai natal, meu filho!

E eu via nas revistas e na televisão um senhor gordo, e perguntava-me como era possível com tanta obesidade descer pela chaminé,

E acordava de manhã, muito cedo, e os presentes poisados em cima da mesa, e eu cismava que um dia ia descobrir com ele conseguia,

E descobri,

Quando fui passar o natal a Carvalhais que o pai natal é uma treta e que tinha deixado presentes em Carvalhais e em Alijó passou ao lado da casa número 15 do bairro do hospital,

Mãe, o pai natal não existe!

E chamei-lhe todos os nomes que sabia,

 

Depois veio a catequese e a minha catequista dizia-me que deus via tudo e estava em todo o lado,

Deus vê tudo e está em todo o lado!

E eu olhava para todo o lado e não via deus,

E perguntava-me,

Se ele está em todo o lado porque não o consigo ver?

E aprendi que nem todos o conseguem ver,

 

E deixei de acreditar nas cegonhas e deixei de acreditar no pai natal e deixei de acreditar em deus…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:47

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