Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Set 11

A tia marta entalada nas espinhas da maré, e puxava e puxava e puxava, e das ondas do mar acordavam malmequeres ranhosos, fotografias penduradas nas paredes esqueléticas do corredor e ao fundo da rua e depois de atravessar duas ruelas e três portas reumáticas a afamada casa de banho, um cubículo minúsculo de serventia para dez quartos engelhados onde as profissionais do sexo e travestis e clientela de quecas apressadas afogavam os resíduos árduos de poucas horas de trabalho, poucas horas de prazer, e muitas horas de humilhação e desespero,

 

- Só quero amealhar alguns euros para zarpar desta sanzala queixava-se a tia marta cansada de vinte anos a subir e a descer escadas, a madeira cerrava os dentes e de dois em dois degraus sentiam-se os ais e uis,

 

E poucas horas de prazer e prazer nenhum, fingir, gritar sons contra a parede e das frinchas desprendiam-se pedacinhos de saliva, e a cama balançava nas árvores estacionadas no rio,

 

- Só quero amealhar alguns…, e dos cinquenta euros livres de impostos tenho de pagar o quarto, vinte e cinco euros, a respetiva percentagem para o meu sócio, vinte e cinco por cento, e fico com nada,

 

Em frente à janela sentiam-se os ais e os uis e vinte anos a subir e a descer as escadas amarrotadas da vida,

 

- E fico com nada,

 

O desespero do velhote quando olhava para o mostrador do relógio e duas horas tinham passado e nada, e fico com nada, o taxímetro poisado sobre as coxas da tia marta, e nada, inseria a moeda na ranhura, e a ranhura voltava a devolver a moedinha,

 

- E fingir, e gritar, e construir frases entre os lençóis embaciados pelo desejo do velhote, E que foi bom, Foi ótimo, E que gosto muito de ti, E que eu também,

 

E fico com nada, e nada,

 

A tia marta entalada nas espinhas da maré, e puxava e puxava e puxava, e das ondas do mar acordavam malmequeres ranhosos, e das ondas do mar vinham as rugas que sentia no rosto e se recusava a olhar no espelho esquecido na parede, e dentro do guarda-fato escondiam-se vinte anos de miséria, e uma casa de banho ao fundo da rua,

 

- Posso voltar?, perguntava o velhote à tia marta, e enquanto procurava no pulso o mostrador das horas segredava que até pela companhia valia a pena, e fico com nada, e nada, e o pior é ter de subir cinquenta degraus até adormecer nos teus braços…

 

E fingir, e gritar, E que eu também,

 

Foi bom,

 

- Só quero amealhar,

 

E esquecer-me que sou velho, e esquecer-me da solidão das árvores estacionadas no rio, E que eu também, Foi ótimo, e esquecer-me do sussurrar das gaivotas em frente à janela e esquecer-me dos ais e dos uis e esquecer-me dos vinte anos a subir e a descer as escadas amarrotadas da vida…

 

Cerrar os olhos, e com a mão apagar o sorriso da noite.

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 23:27

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