Oiço a voz cansada do fim de tarde
Nas entranhas dos socalcos mastigados
Oiço o levitar agitado da manhã
Enquanto me sento e levanto
E corro entre o xisto magoado
Prendo-me ao monitor do computador
E da janela oiço a voz cansada do João
Do Manuel do Zé do Carlos e das nuvens em solidão…
E do António agarrado a uma flor
Sonâmbulo sobre quatro rodas do trator
Oiço oiço o Manuel a gritar…
- Doze e dezoito
Impossível penso eu
Deve ser das ondas do mar
Olho o céu
E oiço o Manuel a cantar
Enrolado nos braços do Rui
Oiço as pedras sobre o pôr-do-sol
E o Manuel a ateimar
- Doze e dezoito
Impossível de dar
Não há uva que resista
A tanto chorar…
Cerro a janela
E desligo-me do douro adormecido
Deixo a uva bela
Na cuba a fermentar
E amanhã do meu corpo dorido
Vão crescer sonhos de sonhar…
E oiço oiço um cão a ladrar
Na paisagem ente o rio e a montanha
Socalcos mastigados
Na garganta de uma aranha
Oiço a voz cansada do fim de tarde
Nas entranhas dos socalcos mastigados
E das lâmpadas do céu-da-boca
Acordam os meus lábios apaixonados…