Baixo os braços e encosto-os às silabas solitárias,
As palavras deixaram de crescer em mim depois de a tempestade ter derrubado as árvores do meu quintal, do vento apenas sobejou os pequeníssimos fios de luz da tarde, e no teto do céu meia dúzia de estrelas esquizofrénicas brincavam com um triciclo de madeira,
Baixo os braços,
Desisto de olhar novamente o mar e sinto que não tenho coragem para lhe tocar, passa por mim um paquete enrolado nas ondas adormecidas e cerro as janelas do meu olhar, não barcos, nunca mais tocarei num barco, não gaivotas, nunca mais tocarei numa gaivota, não pôr-do-sol, nunca mais tocarei no pôr-do-sol,
Baixo os braços e escondo a cabeça debaixo do pavimento térreo da minha cama como a avestruz quando cansada quando triste quando desanimada,
- Quando só,
- Eu muito só,
Eu triste e desanimada,
E bato as asas em direção às nuvens onde me esperam, e sentado à direita dele, ela deitada sobre um feixe de mel e algodão doce, bato as asas em direção às nuvens onde me esperam e sobre a mesinha-de-cabeceira uma ardósia despida que mergulha na banheira,
- Acaricia-se no vapor da madrugada,
E as palavras em gemidos contra os azulejos pintados com sorrisos e beijos, flores, as flores que dormem no corredor do meu casebre,
Eu triste,
- Eu muito triste,
Eu tropeço nas flores e uma lágrima nas primeiras chuvas se abraça à terra ressequida,
Acaricia-se no vapor da madrugada, e a ardósia masturba-se com um pedacinho de giz, e de dentro da parede do quarto emerge um crucifixo embebido em vodka, e que saltita na Ajuda e rebola até ao rio,
Sinto frio e deixo de tocar em barcos, sinto frio de deixo de tocar no mar, sinto frio e deixo de tocar em gaivotas,
- Ela masturba-se,
A ardósia sorri na sombra do candeeiro a petróleo,
- Eu triste e desanimada deitada sobre a mesinha-de-cabeceira e espero e espero e espero pelo abraço do Carlos, e espero e espero e espero, e do meu púbis as ondas do mar e sinto um arrepio de luz, e a manhã começa aos poucos a erguer-se entre as sementes trazidas pelo vento,
As palavras deixaram de crescer em mim depois de a tempestade ter derrubado as árvores do meu quintal, baixo os braços e encosto-os às silabas solitárias, ela masturba-se na solidão da noite em soluços de suicídio, eu muito triste,
- Eu muito triste e desanimada,
As flores,
Das flores os pequeníssimos fios de luz da tarde e meia dúzia de estrelas esquizofrénicas, nas flores as palavras de suor que transpiram de uma finíssima folha de papel invisível,
E nos lábios de uma mulher invisível,
- Eu triste e desanimada,
As acácias despedem-se das silabas solitárias,
- Eu triste e desanimada, eu desanimada e muito triste,
Estar só dentro de uma caixa de sapatos,
E oiço os gemidos das palavras que acordam na garganta da ardósia,
E o Carlos não vem,
E morro dentro de ti como uma alga atirada contra as rochas da solidão,
- E o Carlos que não vem…
E espero e espero e espero,
E morro dentro de ti.
(texto de ficção)