Tropeçava no vento e quando se encostava à madrugada desciam silêncios do céu, estendia os bracinhos com um sorriso e tocava nas estrelas,
O meu pai,
Nas estrelas a fumar cigarros e a recordar a infância que se ausentou muito antes de ter nascido, o meu pai de musseque em musseque e de picada em picada, o meu pai que se escondia no cacimbo,
Quando no capim cresciam os meninos que dormiam de pé, que se escondia no capim e adormecia debaixo dos coqueiros embebido na maré,
O meu pai,
Sem fé,
Ausente da mãe,
De pé ente pé e subindo ao trigésimo andar da noite e depois de ser expulso da noite descia e descia e descia,
As escadas trémulas em madeira,
E acordava no Mussulo,
Chamava as gaivotas e vinham até ele os pássaros negros, mulheres de luto e que choravam os filhos e que choravam os maridos e que choravam,
- Maldita guerra sem sentido ouvia-o eu enquanto lhe apertava a mão e fazia caricias nos barcos estacionados junto às mangueiras,
E todas as guerras não fazem sentido,
O meu pai,
Que atravessa o rio e quando acorda percebe que está ao antigo Congo Belga à procura de nada,
E caminhava e caminhava e caminhava,
À procura da mãe,
E encontra um cacho de bananas e arroz com chouriço e arroz com chouriço e arroz com chouriço,
Trinta dias e trinta noites dizia-lhe o médico de receituário na mão,
- E antes de deitar,
Deambulava pelos canteiros de malmequeres que viviam junto à baía, sentava-se numa cadeira e esperava que a noite se escondesse numa caixa de sapatos,
Tropeçava no vento e quando se encostava à madrugada desciam silêncios do céu, estendia os bracinhos com um sorriso e tocava nas estrelas,
E uma e outra e mais outra,
Cerrava os olhinhos,
E ausentava-se da infância,
- Nasci bebé e ao outo dia já era homem,
E ao outro dia de musseque em musseque e de picada em picada,
Como as abelhas deitadas no pólen do amanhecer,
O meu pai,
- Nasci bebé e ao outo dia já era homem,
E o meu pai que se escondia no cacimbo e evaporava-se nos céus de Luanda todas as noites, e à meia-noite ancorava-se nele o cheiro de África,
Da terra húmida,
E de papagaios de papel que um miúdo erguia no céu,
Eu.
(Texto de ficção)