O parvo acreditava em tudo o que lhe diziam,
Que o mar só tem ondas porque existe o vento, que se uma borboleta bater as asas na Indonésia um tufão nos Estados Unidos da América acorda e começa a cuspir silêncios de água suspensa nas manhã de solidão,
E que deus está sentado à direita do pai,
O parvo acreditava em tudo o que lhe diziam,
Que as nuvens são pedacinhos de algodão e as mulheres têm nos lábios sorrisos de mel,
- É tudo uma aldrabice pegada Confessava ele na esplanada do café onde quatro amigos invisíveis o acompanhavam,
O parvo acreditava em tudo o que lhe diziam e que o amor quando verdadeiro é como as estrelas do céu, cintilam e prendem-se às janelas das árvores deitadas na praia,
- É tudo uma aldrabice pegada os quatro amigos invisíveis e a lua e Luanda e o mar,
Nunca existiram,
O parvo acreditava em tudo o que lhe diziam,
E que os beijos são o pôr-do-sol antes de cair a noite sobre o rio que corre apressadamente para o mar,
- E que nunca existiu,
Belém,
- E que nunca existiu,
Calçada da Ajuda,
- E que nunca existiram,
Putas a pedincharem cigarrinhos junto à estação de Cais de Sodré,
- E que nunca existiu,
Um menino debaixo das mangueiras a espetar pregos na sombra da tarde e sobre o triciclo o chapelhudo em queda livre até aterrar junto à capoeira, e as galinhas fingiam que acreditavam em tudo, dava-lhes grãozinhos de areia trazidos propositadamente da ilha do Mussulo e elas que acreditavam em tudo agradeciam-me,
- O milho saboroso da madrugada,
Um menino que corria entre o néon dos musseques e as lágrimas do céu, um menino que acreditava em tudo,
- O milho saboroso da madrugada,
Que tombava como pétalas de dor das mãos do menino que acreditava que os barcos tinham mãos, e que os aviões quando lá no alto encolhiam e adormeciam junto a deus sentado à direita do pai,
- E que nunca existiu,
E que nunca existiram mangueiras no meu quintal,
- E que nunca existiu,
Calçada da Ajuda,
- E que nunca existiram,
Cacilheiros enrolados ao cacimbo,
Porque o parvo que acreditava em tudo o que lhe diziam,
Um dia,
Deixou de acreditar,
E as galinhas deixaram de comer os grãozinhos de areia trazidos propositadamente da ilha do Mussulo,
- O milho saboroso da madrugada,
Nas ruas de Luanda.
(texto de ficção)