Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Eles todos iguais, eles fotocópias de fotocópias, e só os dentes de marfim saltitavam na noite, eles iguaizinhos, e o velho Nogueira distinguia-os através do cheiro,

- Aponta aí patrão E o Domingos com três cucas na algibeira, uma para agora e outra para o caminho e a outra para adormecer,

E o velho Nogueira escondido nos óculos embaciados pelo cacimbo a escrever no caderninho,

- Domingos cinco cucas e duas pilhas para a lanterna,

E o Domingos chegava à sanzala sem as cucas e sem as pilhas, e o meu avó Domingos furioso porque achava que todos os pretos se chamavam Domingos,

- Patrão empresta vinte paus Claro amigo e sem juros a voz do velho Nogueira,

O Domingos abraçava-se à palhota e tombava junto ao capim,

- Jeremias cinquenta paus,

E lamentava-se o velho Nogueira que era para os juros e que se não fosse assim,

- Só assim é que estes gajos aprendem,

Como se os pretos não tivessem o mesmo direito que eu tive de me chamar Francisco ou Luís,

O meu avó furioso porque todos os pretos,

- Domingos,

Prendia-me às sombras do Mussulo agarrado aos pescoço da minha mãe porque pensava que o mar me queria comer e pensava que o mar comia os meninos brancos, e fechava os olhos e cessavam em mim as lágrimas,

- Não gosto O menino não gosta,

E achava que as bananas tinham bicho,

O amigo do meu pai vendia azeite de Trás-os-Montes, quatro litros e meio de óleo e meio litro de azeite, O amigo do meu pai vendia vinho de Portugal, e mais água do que vinho,

E o Domingos quando acordava não se recordava onde tinha deixado as pilhas para a lanterna, o meu avó furioso,

- Não gosto O menino não gosta,

E sentia o mar a entrar dentro da minha mãe e a enrolar-se nos meus braços, e o meu cabelo brincava no odor das ondas, eu olhava o céu e as estrelas uma a uma poisavam na minha mão,

Eles todos iguais, eles fotocópias de fotocópias, e só os dentes de marfim saltitavam na noite, eles iguaizinhos, e o velho Nogueira distinguia-os através do cheiro,

- Gosto deles,

E a chuvinha caía silenciosamente sobre as mangueiras,

- O menino dá O menino dá,

O meu avó furioso,

E eu esquecia-me junto ao portão de entrada que todos os pretos se chamavam Domingos e quando passava por mim o Domingos ou o Jeremias eu dizia-lhes,

- Gosto de ti Gosto de ti,

Eles todos iguais, eles fotocópias de fotocópias, e só os dentes de marfim saltitavam na noite, eles iguaizinhos, e ensinaram-me que o mar não comia meninos brancos, e ensinaram-me que as bananas não tinham bicho, e ensinaram-me que quem viveu em Angola nunca mais se esquece,

E eu nunca mais me esqueci,

- O cheiro da terra e da chuva e do mar,

E o velho Nogueira distinguia-os através do cheiro…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:06

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