As escadas ingrimes levavam-me ao cubículo do segundo andar, lá dentro Matilde esperava-me, bato à porta na confusão da sombra do corredor, arrependo-me no medo de me ter enganado e por momentos deixo de ter a certeza se era o duzentos e dezasseis ou o duzentos e dezassete, a porta abre-se e o sorriso de Matilde abraça-se às frestas do gesso embebido no suor da tarde,
Da janela virada para a rua subiam,
E desciam,
Crianças brincavam na ruela e mulheres discutiam porque o marido de uma dormia com o marido da outra,
O rio,
Da janela virada para a rua subiam os desejos do tejo e o cheiro a saudade alicerçava-se no teto do cubículo,
Feio,
O rio deitado junto à esplanada de Belém e desciam gaivotas das nuvens de Outubro e subiam cansaços dos mangalas invisíveis que marchavam numa parada militar invisível,
Matilde abraça-me,
E encosto a cabeça no perfume barato que adormecia no pescoço enfeitado de dálias e gladíolos, da janela virada para a rua subiam,
E desciam,
O rio,
Feio,
Nas frestas que nos observavam e terminavam no espelho embaciado e que vezes sem conta e em silêncio e repetidamente folheavam junto ao rodapé as estórias de desejo do cubículo,
Um homem e uma mulher que ardem na fogueira da tarde,
Um homem e outro homem que suspiram no odor do corpo emagrecido e encharcado de gotinhas de prazer,
Uma mulher e outra mulher simplesmente deitadas, e uma o lençol da outra, beijavam-se e adormeciam sobre o nevoeiro que acordava no tejo e no final da tarde,
Da janela virada para a rua subiam,
E desciam,
O rio,
Feio…
(o princípio ou o fim do meu romance)