E frio,
Quando me sento na margem do Tejo e ao longe as luzes de Almada, o cigarro cresce na noite e o meu corpo parece um pedacinho de papel misturado no vento, a cama range tal como os suspiros de Matilde se enrolam no néon dos veleiros estacionados na vazante da maré e sinto-lhe os lábios de cereja adormecidos no meu pescoço, e frio, o rio,
E desciam,
Os braços dela até às minhas coxas argamassadas de estrelas,
- Amas-me?,
E oiço sussurros no meu ouvido Amava-te muito se não tivesses os problemas que tens e não fosses quem és, e uma língua baloiça na minha face,
- Amava-te muito se não tivesses os problemas que tens e não fosses quem és,
E enquanto extingo o meu olhar nas luzes de Amada pergunto-me Quem eu sou?,
- Quem eu sou?,
O rio que corre,
Frio,
Feio…
E da janela virada para a rua subiam,
E desciam,
Corpos ensanguentados no desejo do sémen,
- Amas-me?,
Ensanguentados no desejo de sémen que escorria das nuvens de algodão doce e desciam, e subiam,
E da janela virada para a rua subiam,
E desciam,
Os gritinhos de prazer dos lençóis do cubículo,
- Amava-te muito se não tivesses os problemas que tens e não fosses quem és,
E o cigarro abraçado à solidão da tosse de um petroleiro que descia,
E subia,
A janela do cubículo,
- Amas-me?,
E com os cotovelos poisados na janela do Tejo esquecia-me Quem eu sou,
- Se não fosses quem és e não tivesses os problemas que tens,
Amava-te muito, e eu perguntava-me,
- Quem eu sou?,
E a Matilde explicava-me que nunca poderia amar-me em liberdade, porque os amigos e as amigas, porque a carreira profissional, porque o tejo,
E da janela virada para a rua subiam,
E desciam,
E desciam gaivotas das nuvens de Outubro e subiam cansaços dos mangalas invisíveis que marchavam numa parada militar invisível,
Matilde abraça-me, e eu pergunto-me, e eu pergunto-lhe,
- Quem sou eu?