“Da vida nada espero,
Querem que eu seja um boneco de palha com cabeça de abobora, querem que eu seja um roberto, um fantoche, um palhaço,
Vejam senhores; queriam que eu fosse um travesti e vivesse nas catacumbas de Cais de Sodré”,
E foram estas as últimas palavras que ouvi da boca do senhor de avançada idade e que acabava de finar-se nos meus braços curvados devido à sombra do candeeiro que na rua atrapalhava o andamento dos peões, e aos mais distraídos o choque iminente, truz, a chapa platinada da cabeça amachucada contra o poeste de iluminação,
- Vê por onde andas seu palerma,
Pediu-me um cigarro, e enquanto desço a mão à algibeira e procuro os cigarros e tiro os cigarros e o isqueiro,
Fechou os olhos hermeticamente e com os cortinados da vida cerrados começou a voar, atravessa o rio e perdeu-se nos céus de Almada,
E ainda oiço os murmúrios nada simpáticos do velhote,
- O que faz com que um palhaço mande plantar um poste de iluminação no centro do passeio que serve exclusivamente para os peões?,
Talvez porque é estético respondo-lhe eu,
- Talvez por ser estético,
“Da vida nada espero,
Querem que eu seja um boneco de palha com cabeça de abobora, querem que eu seja um roberto, um fantoche, um palhaço,
Vejam senhores; queriam que eu fosse um travesti e vivesse nas catacumbas de Cais de Sodré”,
E o rio dançava entre as acácias da noite, e quando introduzo os cigarros e o isqueiro na algibeira vejo o velhote com uma minissaia encarnada, saltos altos e os seios de silicone pendurados ao peito, e fumava e caminhava às voltas do Cristo Rei,
- Querem que eu seja um boneco de palha com cabeça de abobora, querem que eu seja um roberto, um fantoche, um palhaço,
Da vida nada espero. Sentar-me junto ao tejo e contar as gaivotas de sorrisos amarelo…
(texto de ficção)