59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)
Sou um palhaço,
Dizia ele às linhas do papel,
Sou um homem vestido de palhaço
E vivo confortavelmente numa barraca junto ao rio,
Sou um palhaço,
Quando o espelho imprime o meu rosto encardido,
E eu vestido,
Dizia ele,
E eu vestido de palhaço,
Numa barraca junto ao rio,
Agachado na lareira da noite
A tremer de frio,
Sou um palhaço,
Dizia ele às linhas do papel,
Sou um homem vestido de palhaço…
Confortavelmente numa barraca junto ao rio,
Já fiz de tudo.
De palhaço a malabarista,
Domador escritor pintor almeida jornaleiro…
Até já fui carpinteiro,
Nunca fui paneleiro,
E um dia quero ser romancista,
E agora,
E agora sou palhaço,
Digo eu,
E vivo numa barraca junto ao rio,
Sou um palhaço,
Dizia ele às linhas do papel,
Sou um homem vestido de palhaço
E vivo confortavelmente numa barraca junto ao rio,
Eu, nada faço
Porque sou um palhaço,
E às vezes pego num pincel
E cato abelhas com cio…
Sou um palhaço,
Dizia ele às linhas do papel,
Sou um homem vestido de palhaço…
Confortavelmente numa barraca junto ao rio,
E quando vou na rua
Há sempre alguém que não se esquece de me recordar
Que eu sou um palhaço,
E a gritar e a gritar e a gritar…
- Vê por onde andas seu grande palhaço!
E eu caminho nos passeios
E eu tenho de me desviar dos candeeiros
Semeados no centro dos passeios,
Porque outro palhaço,
Digo eu,
Semeou candeeiros
No centro do passeio,
Eu, nada faço
Porque sou um palhaço,
Apenas vivo confortavelmente
Numa barraca junto ao rio.