Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Dez 11

Nunca vi o mar,

A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel,

- Porquê mãe,

De luzes e de estrelas de papel saltitando na areia finíssima da ilha do Mussulo, o meu filho pequeníssimo fitando o oceano invisível dentro da alcofa, o meu filho agarrado aos braços da mãe e olhar-me enquanto eu sentado numa cadeira de praia recordava as mangueiras no fim de tarde quando a Bedford amarela se imobilizava depois de caminhar de musseque em musseque, eu chegava a casa, eu chegava a casa e ele deitado a brincar com o mar,

- É tão pequenino Segredava ele para a enfermeira na primeira visita que me fez quando eu misturado com outros pequeninos e de etiqueta no pé para não me ausentar e perder nas ruas de Luanda,

E hoje pergunto-me,

- Nunca vi o mar,

E hoje pergunto-me, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e hoje pergunto-me a razão de uma etiqueta suspensa no pé minúsculo, ele de olhos abertos e agarrado aos meus braços fingia que olhava o mar mas eu sabia que não, hoje sei que ela desenhava o mar na alcofa para que eu mais tarde, muitos anos passados, percorra as ruas de Luanda em busca do mar,

- Porquê mãe,

E nunca vi o mar, Um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel,

- A Bedford amarela para não se perder nas ruas de Luanda, uma etiqueta suspensa no pé minúsculo, eu sentado numa cadeira de praia a ouvir a sombra das mangueiras que batia contra os domingos entre conversas e meia dúzia de Cucas,

As palmeiras murchavam e desciam até à marginal, e ele agarrado ao meu pescoço sonhava com triciclos e papagaios de papel dançando no céu, e adormeci com ele ao meu colo, e ele caiu e quando aterrou no pavimento ouvi-lhe as primeiras palavras,

- Mãe O mar é tão lindo,

Os domingos entre conversas e meia dúzia de Cucas, será que alguém vai ler esta porcaria,

- Pergunto-me Porquê mãe,

Será que alguém vai ler esta porcaria quando as mangueiras desciam até ao capim e as pombas sobre um triciclo de madeira,

- Voavam,

A Bedford amarela estacionada junto ao portão do quintal e ao longe o avô Domingos de braços abertos e me abraçava e me pegava ao colo, eu pendurado no seu pescoço com um olho a ver o mar no teto da alcofa e com o outro a contar os carros em direção ao Grafanil, Catete, Bairro Madame Berman,

Um cavalo branco saltitava e pegava em mim e me levava a ver o mar,

- Mãe O mar é tão lindo,

A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo e eu tombei e quando aterrei no pavimento,

- Mãe O mar é tão lindo,

Ele sentado numa cadeira de praia a imaginar domingos e conversas entre meia dúzia de Cucas,

- Tão pequenino ele,

Um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer…

 

(texto de ficção)

publicado por Francisco Luís Fontinha às 14:57

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