Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

19
Jan 12

Canso-me da vida

Canso-me dos alicerces de prédios em ruina

E de vidas descruzadas em manhãs submersas

Em olhares de maré

 

Em gritos de revolta

Canso-me das ruas e dos relógios de pulso

Sempre a recordarem-me que envelheço

E me transformo a cada segundo

Numa sombra mortuária da noite escura

Da noite de ausências

 

Canso-me do sonambulismo dos meus olhos

Presos a uma vedação de arame invisível

Com vista para o mar

Sem gaivotas

E barcos enferrujados

Made in China

 

Canso-me das árvores

Que escondem poemas defecados

Numa sombra imaginária

 

Canso-me do rio

E quando o olho

Rio nenhum

Milhões de cadáveres metálicos

Abraçados a beijos de tungsténio

E sexos de aço inoxidável

 

À procura de um porto de abrigo

 

Canso-me das minhas mãos embrulhadas em tinta

E que procuram na tela seios encarnados

E púbis descarnados junto ao pôr-do-sol

Antes de cair a noite

 

Quando deixo de me cansar

 

Canso-me da vida

(e se a vida se cansa de mim, paciência, problema dela)

Canso-me das palavras que escrevo

E que não fazem sentido

 

Quando deixo de me cansar

Antes de cair a noite

E entra a noite nos meus miseráveis aposentos

E eu cansado

E eu farto

E eu

 

Nunca me canso de olhar

O menino de pulseira no bracinho

E crucifixo ao peito

publicado por Francisco Luís Fontinha às 01:37
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Janeiro 2012
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