Sobram-me as mãos na algibeira e o sol acorrenta-se aos meus braços, fico preso, suspenso na ponte entre a vida e a morte, estou na fronteira, e desejo desenfreadamente perceber o que existe para lá do abismo; fascina-me o negro.
O negro da noite, o negro do frio universo, os buracos negros, fascinam-me os relógios de paredes pendurados no negro da sala, eles parados, comidos pelas horas, eu escondido dentro do guarda-fatos à espera que o dia adormeça e acorde a noite, negra.
Fascinam-me os taquiões, fascinam-me os protões e electrões, fascinam-me os átomos de que é feito o meu corpo, merda, porcaria que não serve para nada, e sobram-me as mãos na algibeira e o sol acorrenta-se aos meus braços, fico preso, suspenso na ponte entre a vida e a morte, e não sei se quero viver, e não sei se quero morrer, e não sei o que faço neste país, nesta terra de ninguém, e se deus existe, se deus existe é um grande filho da puta para mim, sempre o foi, o negro da noite escondido no espelho do meu quarto, eu deitado na minha cama e a minha cama em suspiros e gemidos, e no pavimento oiço as lágrimas da noite, escura. O negro.
Estou no oceano, e daqui a pouco afundo-me, pluf… fundo do mar, quero nadar, não consigo, as mãos ficaram na algibeira e os braços, os braços acorrentados ao sol, começo a rodopiar, e em espiral o meu corpo desiste, cansa-se, fica indiferente.
O negro da noite, o negro do frio universo, os buracos negros, fascinam-me os relógios de paredes pendurados no negro da sala, e aos pouco, eu aos poucos a afundar-me no negro do oceano.
(texto de ficção)
FLRF
31 de Março de 2011
Alijó