Apareces, desapareces, inventas sombras nas entranhas do xisto douro em socalcos de oiro, teces nos lábios do rio as palavras bronzeadas que a noite transpira, e inspira, o poeta que dança nos braços de uma canção, apareces, desapareces, e constróis desejos nos tentáculos do poema, o poeta enlouquece nos olhos enamorados dos plátanos ternos e meigos dos loiros fios de luz que a manhã desenha na areia,
e desce a noite sobre ti,
desapareces, apareces,
nos versos das folhas cansadas do Outono,
E dizem que a lua cor de amêndoa navega nas gaivotas do Tejo, apareces, desapareces, inventas sombras, inventas-me quando a janela do minguante silêncio aquece na tua pele de água adormecida, oiço-te voar debaixo do tecto da saudade, eu corro, eu procuro-te desenfreadamente no Rossio depois de se despedir a tarde dos sótãos suspensos na solidão,
inventas, e dizes-me depois de adormecerem todos os sonhos da cidade que o poeta enlouquece a madrugada e enrola-se nos candeeiros invisíveis que os pássaros trazem do outro lado do rio,
Apreces, e inventas-me, inventas a saudade, inventas o desejo, e desapareces dentro da neblina cinzenta dos cigarros quando vêm os barcos ao teu submerso corpo de papagaio de papel no cordel enfeitado que o miúdo lança contra o vento.
Francisco
23/10/2012