Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Dez 12

Uma gaivota de luz sentenciou-me com quatro simples palavras retiradas de uma caixa espessa que vivia na minha casa, dentro de um espelho, em finais de Setembro, e orgulhosamente escreveu no meu corpo

 

- quero as tuas lágrimas,

 

a minha cansada casa ficava na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, vestia-se de branco e flutuava dentro do cacimbo como se fosse um espelho, nuvem, charco de areia finíssima que algumas vezes apareciam, outras, deixava de os ver, eu perguntava-lhe

 

- as minhas?

 

Explicava-lhe que nunca as tive, Nunca choraste? Respondia-lhe que não, Não me lembrava, nem sabia o que eram, Caixas Espessas?

 

- lágrimas

 

telhas de aço cobriam as cabeças infelizes dos rissóis e dos pasteis de nata, Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa esperavam o regresso da noite, eu perguntava-lhes

 

- as minhas?

 

lágrimas, nos carris do eléctrico padeciam as migalhas do silêncio, uma caixa espessa, húmida, e, explicava-lhe que não sabia o que eram lágrimas, ossos, carne apodrecida, não sabia, não sei, nunca vou saber porque caem as árvores no meu quintal, quinta-feira, espelho de morte na minha má grande sorte, nem a lotaria do natal, nem um simples postal, perdão, peço desculpa, em quatro simples palavras de alecrim

 

- quero as tuas lágrimas,

 

- também

 

eu

 

- as queria, quero-as, todas, aos molhos, as tripas das Marilús e afins estabelecimentos comerciais, vende-se casa dos anos setenta, calças à boca de sino, e elásticos

 

lágrimas,

 

- quero

 

- eu

 

- as minhas e as tuas

 

e elásticos à volta do pescoço fino e esguio até entrar dentro das nuvens que via láctea desenhava nos cornos da lua, tu desaparecias à porta da sala de estar, da cozinha chegava até nós o som da lareira prestes a partir para o outro lado da cidade, na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, e em tardes de final de texto via-a

 

- voava sobre os quintais zincados dos meus amigo pretos,

 

o cavalo ganhava asas, a minha irmã com um chapéu de flores que embrulhavam-lhe os loiros cabelos poéticos que o meu pai escrevia no tronco de uma mangueira, voava sobre os quintais zincados

 

- Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa

 

esfregava os olhos,

 

- eu,

 

ela voava,

 

eu e os meus amigos pretos,

 

- cansados de olhar o céu,

 

às vezes,

 

- poucas

 

ela adormecia e o cavalo ia até ao mar, depois uma gaivota de luz sentenciava-me com quatro simples palavras

 

- quero as tuas lágrimas,

 

lágrimas,

 

- quero

 

- eu

 

as minhas e as tuas,

 

- pergunto-te

 

o que são lágrimas em quatro palavras com muitas árvores até encontrarem o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu

 

chorava, quando o cavalo branco com asas brancas, quando a minha irmã vestida de branco sobre o cavalo branco..., desapareciam em direcção ao mar.

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

publicado por Francisco Luís Fontinha às 20:03

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