Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

03
Mar 11

Moribundo eu junto ao cais que da maré se instala em mim o pôr-do-sol, as minhas pernas prisioneiras nas algas e nas minhas mãos sobrevivem aos sorrisos da madrugada passada, ele encostado ao silêncio, o outro ele, eu, quietinho como esperasse pelo acordar da noite, e ele desassossegado grita-me pedindo socorro,

- ao longe oiço a voz que me chama e da voz vem até mim o olhar que deixei pendurado numa nuvem, e da nuvem uma gaivota sobrevive à tempestade,

O néon da rua acorda, e bate em mim o vento que aos poucos em desenhos constantes dá vida aos meus cabelos, os meus olhos pairam dispersos no nada, e a minha boca desgovernada atira-se à noite,

- é tão longa a noite…

É tão longa a noite e ele gosta da noite porque é negra, e hoje possivelmente nem luar acordará, e eu dou por mim a contar minutos, um relógio pendurado na sombra avisa-me que são oito horas e vinte e cinco e trinta e seis, porra, tantas palavras para descrever um momento que já é passado,

- passado? Vamos em viagem ao futuro,

Que futuro…

O corpo dele começa a esquecer-se como eram as acácias, e que junto ao mar brincam gaivotas com cio, o corpo aos poucos é absorvido pelo sorriso da maré e do pôr-do-sol apenas ficou a areia fina da tarde,

- tenho medo da minha sombra quando se esconde dentro do guarda-fatos, e eu chamo por ela, e ela finge que não ouve, procuro debaixo da cama, não está,

Onde estará a tua sombra?

- acabo de olhar um machimbombo que passa e me sorri, não vai lá a minha sombra, e junto ao capim também não,

Talvez a tua sombra esteja dentro da tua mão, já viste?

Ele incrédulo abre a mão, olha-a como se fosse uma jóia acabada de nascer, nada, sombra nenhuma, apenas tem escrito,

- sou um inútil,

Moribundo eu junto ao cais que da maré se instala em mim o pôr-do-sol, respiro, deixo de respirar, acordo, adormeço, e oiço o balançar dos paquetes iluminados na noite escura, ele encostado ao silêncio, o outro ele, eu, faço desenhos na areia com as pontas dos dedos comidos pelo cansaço, e em voz alta ele pede-me socorro,

- ao longe oiço a voz que me chama e da voz vem até mim o olhar que deixei pendurado numa nuvem, e da nuvem uma gaivota sobrevive à tempestade,

O meu corpo suspenso num sorriso…

 

 

Luís Fontinha

3 de Março de 2011

publicado por Francisco Luís Fontinha às 22:27

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