Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Jan 13

O tecto da igreja desabou, o sacerdote de batina suspensa nos ombros saiu em demandada como se Sábado deixasse de ser Sábado, como se hoje houvessem plantas ornamentais nas esplanadas complexas das varandas em solidão, uma velhinha chorava quando no rádio da vizinha a canção maldita começava a rosnar, e enfurecida, ela

Plantas carnívoras, senhor prior? Sim menina Margarida, a nossa querida igreja foi invadida por carnívoras plantas, sabe-se lá de onde vieram, talvez tentações do ensanguentado e tentador Diabo,

Diabo senhor prior?

Não sei, não sei menina Margarida, mas confesso-lhe que começo a ficar com medo, que já não durmo como dormia, que vejo sombras nas paredes do meu quarto acanhadíssimo, porque nunca há dinheiro para as obras, e os fiéis

Defuntos e não defuntos,

Tesos como os barrotes do senhor Manuel, que ele utiliza como escoras do alpendre semeado sobre o primeiro piso térreo da mansão, quatro paredes com buraquinhos por onde se avista, ao longe, o mar desenhado num lençol que a tia Margarida deixou estendido na varanda, e durante a noite,

Porque,

As faíscas desagradáveis dos silêncios embaciados que o fumo do cigarro do senhor prior deixou ficar sobre as flores embalsamadas, as plantas carnívoras multiplicam-se como de impostos se tratassem, e a velhinha Margarida reclama

A minha reforma já nem me chega para comprar água,

Porquê?

Porque o tecto da igreja desabou, o sacerdote de batina suspensa nos ombros saiu em demandada como se Sábado deixasse de ser Sábado, como se hoje houvessem plantas ornamentais nas esplanadas complexas das varandas em solidão, uma velhinha chorava quando no rádio da vizinha a canção maldita começava a rosnar, e enfurecida, ela contava religiosamente os cêntimos que nunca sobejavam,

E ao longe o senhor prior

Não me fale em cêntimos, menina Margarida, não me fale em cêntimos,

Vou falar-lhe em quê senhor prior? Vou falar-lhe em quê…

Olhe

Porque,

Fale-me em plantas carnívoras, fale-me no Diabo, fale-me

Diga, diga senhor prior,

Fale-me na cidade de Luanda que festeja hoje o seu 437º ano de existência, mas por favor, por favor menina Margarida

Não me fale em cêntimos que me recordam um canino que tive na infância, e que Deus o tem, em qualquer sítio, julgo eu, como

Olhe

Porque,

Como as faíscas desagradáveis dos silêncios embaciados que o fumo do cigarro do senhor prior deixou ficar sobre as flores embalsamadas, as plantas carnívoras multiplicam-se como de impostos se tratassem…

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó

publicado por Francisco Luís Fontinha às 21:02

Janeiro 2013
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