Já perdi tudo, esqueci-me das poucas palavras que conseguia desenhar numa parede pintada de branco silêncio, começa a noite, penso se tu pensarás em mim sabendo eu que tu não percebes que existo, vivo, respiro, e tenho um muro pintado de branco onde desenho letras, palavras, poemas vestidos de flores com asas, e pássaros, que voam com pétalas de cansaço, ou não, ou talvez... já tenha perdido também a noção do tempo e do espaço, e do relógio suspenso na parede da sala, apenas vejo nele um esqueleto de madeira, um amontado de lâminas, rodas dentadas, e dentes de marfim, e mesmo assim, sinto que as cordas de sisal se enrolam no meu corpo, o mesmo, que tu percebes que não existe, que nunca existiu, aquele que todos dizem ser uma sombra que vagueia dentro dos cadernos com páginas em branco, como a vida de certos seres, denominados, os bons e os inteligentes, os mesmos, aqueles que não tendo muros pintados de branco, como eu os tenho, mesmo não desenhando palavras e letras nos muros pintados de branco, como eu as desenho, vivem, vivem como Príncipes vestidos de arrogância, e vivem de fantasias, felizes como os charcos de água, depois das chuvas, quando acordam as criança dos musseques, e gritam, e choram, e tal como eu, também elas, as crianças, têm muros pintados de branco onde desenham letras, palavras e sonhos...
(Já vou Gigi, desassossegar o Bernardo Soares)
@Francisco Luís Fontinha