foto: A&M ART and Photos
As cerejas de Deus que nos teus lábios comem as minhas palavras
que das tuas mãos Deus colocou sobre o meu rosto de pergaminho
as sílabas transparentes dos degraus impossíveis de transpor
pelos teus sonhos em silêncios azuis
como as pétalas da rosa esquecida no muro em frente à tua alegre casa,
Tínhamos um telhado
onde nos escondíamos nas tardes de solidão
e depois de alicerçares nos teus braços os cadernos de nós
ficávamos assim livres a olhar as nuvens
e a inventar histórias que um jornal de província nos comprava,
Tínhamos dinheiro para o pão
e para comprarmos novos cadernos
tinta
e às vezes
sobrava-nos algumas moedas para fingirmos que fumávamos flores enroladas em marés de Inverno,
Víamos os barcos a morrer como gente desesperada
cansada de trabalhar
cansada... de viver
as cerejas de Deus... comem as minhas palavras
e deixam os caroços sobre a terra semeada,
Víamos os barcos em círculo na janela da solidão
barcos que escreviam histórias
nos corpos amarrotados como o papel higiénico da pastelaria
entre migalhas de torradas e o cheiro a chá de hortelã...
vivíamos felizes sem percebermos que éramos miseráveis.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha