Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

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Ago 13

foto de: A&M ART and Photos

 

O corpo do texto, emagrece, reinventa-se e mergulha entre silêncios e cavernas como a solidão dos primeiros dias da ausência dos sons poéticos e melódicos, o corpo ausente de tamanho, do zero ao doze, finge-se de morto, termina a linha, muda-se para baixo, travessão, ponto final, parágrafo, ponto de interrogação?

Desisto, pergunto se vale a pena continuar, e oiço-o como um vibrador dentro do meu ouvido,

Não, não continues, desiste rapaz,

E desisto,

E pergunto-me como será o Inverno, lá, depois de partir,

É como cá, respondem-me, respondem-me, respondes-me

Não faz mal, não faz mal, tudo é maleável como a sombra dos pinheiros em Carvalhais, tu

Tudo mesmo, mãe?

Tudo filho, tudo, o teu corpo é maleável, os teus sentimentos

Como são eles, mãe?

São em tecido e bordados com rosas, umas bravias, outras...

Como são as outras, mãe?

Menos bravias, mais calmas, mais

Belas, mãe, mais belas?

Muito mais, meu filho, muito mais,

O corpo do texto, o papel fica composto, cada vez menos espaços vazios, cada vez mais sofrimentos devidos às letras distorcidas da velha máquina de escrever, o teclado engasga-se, o teclado

Como são as outras, mãe?

O teclado prisioneiro das tardes junto ao rio, o teclado encalhado nos rochedos das sanzalas invisíveis dos panos encarnados, tapavam cadáveres, tapavam fome, tapavam o sol e os sonhos dos meninos, eu sonhava, ela sonhava, nós sonhávamos...

Com rosas, mãe?

Sim filho, sim

O teclado acabado de ser detido, criminalmente... ser oposição, escrever nas paredes negras da noite, e separadamente, éramos espancados vos chicotes de corda, com a ponta em fino papel, era assim, é assim, sempre o foi, sempre assim será, tudo

E se o velho morrer, mãe?

O venho nunca morre, meu filho, nunca, como nunca morrem as rosas bravias, como nunca morrem as sanzalas e os musseques e os charcos depois da chuva, e o velho, mãe, e o velho

Eterno, eterno sentado a olhar o mar,

O texto multiplica-se na maré doentia de Domingo, dizem-me que fiquei absorvido pelas nuvens que sobrevoavam os telhados de vidro, e o texto agora com pequenas imagens, e o texto agora com letras, grandes e pequenas e nenhumas... e algumas, tristes, alegres, negras, azuis e cinzentas, multiplica-se e vomita canções de amor, música, palavras declamadas por gargantas envenenadas pelos peixes e pelas tuas algas, havia um rio que nos prendia à madrugada, havia três caixas de cartão todos os papeis que lá jazem, têm o teu nome, e ainda tu não tinhas nascido

Mãe, como é isso possível? Porquê, mãe?

Estás lá, abro-as, o teu nome escreve-se como teclados domesticados, a tua fotografia hoje pertence aos esqueletos de cartão, morreu disseram-me depois de te ausentares

Morreu de quê, mãe?

Saudade?

Porque se morre de saudade, mãe?

Porque um dia o mar virá buscar-te, um dia, um, filho meu...

E o texto? E o texto cresce como árvores na Primavera, e o texto reinventa-se..., e dorme, e dorme em ti, sobre ti, e dorme na tua mão

O velho, mãe?

O velho morrerá,

E a liberdade dos pássaros e dos corpos... serão comestíveis como os teus mamilos quando salteias os lençóis nocturnos dos pequenos parágrafos, dos pequenos pontos finais, outras

Nem pontos, nem vírgulas,

E enquanto o velho não morrer, não felicidade, não vida, não sonhos.

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 11 de Agosto de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:34

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