Blog de Luís Fontinha. Nasceu em Luanda a 23/01/1966 e reside em Alijó - Portugal desde Setembro de 1971. Desenhador de construção civil, estudou Eng. Mecânica na ESTiG. Escreve, pinta, apaixonado por livros e cachimbos...

25
Ago 13

foto de: A&M ART and Photos

 

Porquê?

Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam

Porquê?

Marinheiros famintos, procuravam qualquer objecto que servisse para derrubar a frágil porta, escondemos-nos junto ao corredor que dava acesso à casa de banho, o peitoril fumegava, alguém já nos tinha lançado algo de combustível, algo de destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força

Porquê?

Fiquei não sei quantas noites pensando que nunca mais terminaria a sangrenta guerra de palavras da cidade dos desejos, multipliquei abraços, dividi beijos, e hoje

Porquê?

Hoje pareço um íngreme cavalo de areia correndo sobre o mar,

E com toda a minha força apertei-o como quem aperta o único filho, e pela madrugada, não sei qual delas, ele partiu, consegui desembaraçar-se dos meus abraços, e

Nunca mais o branco fumo dele nos meus lábios,

Nunca mais

Porquê?

O silêncio pergaminho das suas mãos no meu rosto,

Nunca mais a voz desajeitada dele no espelho da casa de banho, irritava-me

Vens jantar logo, meu querido?

Irritava-me

Três torradas chegam, meu querido?

Assim não, assim sentia dentro de mim uma escada rolante em direcção ao poço profundo da tristeza, irritava-me

Querido

Sim, diz?

Querido, logo chegas cedo a casa?

E apetecia-me gritar, não regressar, nunca, irritava-me

Sim, diz?

Que coisa... a tua...

Os navios em fúria de apitos, amontoavam-se à porta de casa, lá dentro, eu e ele, tentávamos esconder as amarras dentro da gaveta da cómoda, eles cá fora, gritavam

Porquê?

Eles cá fora pareciam um exército de mendigos, procuram-nos como quem procura o vento antes de levantar âncora, o veleiro poisava-se sobre um banco de areia, rodopiava em pequenos círculos... e dali não zarpava nunca,

Porquê?

Os marinheiros famintos, o azedume dos versos que o poeta louco tinha deixado sobre a mesa-de-cabeceira no quarto da amante voavam porque o vento que antes se fazia sentir no corredor começou aos poucos a avançar em direcção ao quarto, a amante tinha desaparecido, ele e o amante, também desaparecidos, apenas os famintos marinheiros enrolados em poemas de “merda” que o louco poeta ante de suicidar-se tinha esquecido, tal como a janela aberta

Porquê? Esta chuva de papeis com pequenas palavras...

Os marinheiros

Porquê?

O poeta louco

Onde está ele?

A amante do poeta louco

Irritava-se com as palavras do seu amado, algo de destruidor, abracei-me a ele, e com toda a minha força

Porquê?

Porque hoje é Domingo, porque hoje há quitetas e cerveja Cuca...

Porquê?

Porque uivam os navios quando estão em sossego?

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 25 de Agosto de 2013

publicado por Francisco Luís Fontinha às 19:22

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