O crucifixo pendurado na parede do quarto olha-me como se eu fosse um criminoso, malfeitor, impostor, olha-me como se eu fosse uma sombra pendurada na ombreira da porta virada para o mar, o meu corpo sobre a cama com suspensão das funções vitais, dois quadros olham-me e trocem o nariz à minha cara de parvo, à minha cara de incredulidade porque da janela via o mar, e das duas uma, ou a janela estava ao lado da porta, ou,
- ou eu estou a ficar louco
Ou o mar dá a volta à minha casa, a minha casa dentro do mar, e por essa ordem eu conseguiria ver o mar da janela e ver o mar da porta, e a janela e a aporta, em sítios distintos, opostas uma à outra, e
- O crucifixo pendurado na parede do quarto olha-me
E eu detesto, não gosto, e eu fico muito chateado com o olhar de um crucifixo que sempre me lembro de ver naquela posição e que desde miúdo está ali pendurado como se fosse um retrato de um falecido, quando o mar me rodeia eu fico em silêncio, chamo as gaivotas à minha mão e na minha mão poisam cansaços da noite, e da noite
- dois quadros olham-me e trocem o nariz à minha cara de parvo, dois quadros e um crucifixo, e finalmente percebo que não estou só dentro da casa rodeada pelo mar, eu na companhia de três fantasmas pendurados na parede,
Eu chamo as gaivotas à minha mão, e na minha mão começa a acordar o sono, viro-me para o lado, lentamente fecho os olhos e espero, espero que o sono tome conta de mim.
(texto de ficção)
FLRF
21 de Abril de 2011
Alijó