foto de: A&M ART and Photos
deixarei de escrever
canso-me das minhas palavras
cansam-me as outras palavras
deixarei de ouvir o sussurro da madrugada
como cortinados embrulhados em pedaços de vento
e silêncios de nada
deixarei de me ouvir
de escrever
das outras palavras
cansam-me as flores quando brotam gotas de sangue
olho-me no gigantesco espelho da vida
e vejo os morcegos das avenidas sem saída
(os pequenos habitáculos de gelo
onde vivem as preguiçosas alvoradas do medo)
os pássaros são extremamente parvos
apaixonam-se facilmente pela Primavera
eu... outro suficientemente parvo
não me apaixono facilmente pela Primavera...
mas...
sou amante da geada
e canso-me das palavras
minhas
e as outras
deixarei de viver
vivendo dentro de uma fotografia a preto-e-branco
como uma janela envidraçada
(os pequenos habitáculos de gelo
onde vivem as preguiçosas alvoradas do medo)
deixarei de ser eu
quando partirem todos os palcos da tristeza em direcção ao mar
saberei reviver os cansaços tantos que me habitam como asseadas pedras de cinco esquinas?
(deixarei de escrever
canso-me das minhas palavras
cansam-me as outras palavras)
acordo e sinto-me um fantasma com plumas e pulseiras de pechisbeque...
sou uma puta contratada pela noite inventada
do espelho envenenado com o cianeto da paixão
sobreposto a mim
um insignificante petroleiro em delírio consumindo-me como uma lareira em ebulição...
e sou um boneco... travestido de morte
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 21 de Novembro de 2013