Que tenhas sorte meu filho, rezo muito por ti, tenho lido as palavras que me deixaste no amanhecer, escritas à pressa, quando fugias de mim, tenho lido, por entre as memórias, as frases que deixaste penduradas nas paredes do nosso quarto, imundo, com a janela semi-fechada, para não seres vista na escuridão, tenho lido sem vontade de ler, mas o destino obriga-me, a reler o que já tantas vezes li, sempre a vasculhar no passado, no ontem, dia de Páscoa para uns, de não fazer nada para mim, rezo muito por ti, meu filho.
Não respondes às minhas mensagens, massagens, ignoras estas mãos espantadas com o teu rosto, quando em pleno quarto escuro, tu apareces de sorriso estampado em ti, trazes o teu cavalo branco, é meigo, afável, gosta de mim, sabes, é normal, toda a gente gosta de mim, não faço mal a ninguém, será, penso que sim…
Por entre as árvores, escondo-me, faço de conta que não estou cá, o senhor está, não, saiu, foi à cidade, e quando me escondo, nem tu, nem tu… consegues descobrir-me por entre as árvores, esperando que o vento me diga quando deva sair do esconderijo, o meu, nas árvores da primavera, aos poucos, começa a aparecer a pelugem nas suas asas, e também elas, um dia, vão voar.
Podias ter arranjado outro quarto, parece que está a cair aos bocados, não tinha dinheiro para outro, e é frio, nem aquecimento tem, numa das paredes está escrito em sinais de silêncio VOLTO JÁ, mais acima, junto ao candeeiro, no tecto, TENHO SAUDADES, e curiosamente são as palavras que me deixaste escritas no amanhecer, possivelmente ontem, só podia ser ontem, e detestas o fumo do meu cigarro, tens nojo, e indiferente, olhas para o meu fumo, sorris, e desejas-me.
Quando eu morrer nem uma missa mandas rezar pela minha alma, rezo muito por ti, meu filho, acho que o teu cavalo tem ciúmes de mim, tem agora, ele é assim mesmo, fala baixo, ainda nos ouvem do outro lado, só se fosse código de morse, não tem piada, parvo, parva, calem-se os dois, sempre a discutir, um diz que é branco, o outro que é preto, cresçam…
DESEJO-TE já nem isso, ontem sim, ontem desejava tudo, hoje, desejo nada, desejo que amanhã esteja sol, e que te faça sorrir, desejo não ter vontade de escrever, desejo a chave do teu coração, fechadura complicada, mas vou abri-la, sei que vou, amanhã, amanhã estará sol, rezo muito por ti, meu filho.
(texto de ficção)
Luís Fontinha
Alijó